quarta-feira, 30 de outubro de 2013

BREVE EXPOSIÇÃO SOBRE O MATERIALISMO HISTÓRICO


Existem apenas duas maneiras de explicar a história da sociedade, a idealista e a materialista. Cada uma se define pela resposta que se dê à pergunta: o que seria historicamente determinante, o pensamento ou o ser social? O idealismo afirma que é o pensamento, a ideia, que determina e produz o ser so­cial, ou seja, a experiência da humanidade. O materialismo afirma ao contrário que seria a realidade material, a prática social, o fator primordial que determina o nosso pensamento, as ideias. Todos sabem que esses dois elementos são fundamentais para a história humana e influ­enciam-se mutuamente.  No entanto, é fundamental determinar qual deles é o elemento determi­nante, quem determina o outro historicamente, porque disso deriva duas interpretações opostas da realidade social.

O Idealismo
O idealismo filosófico é uma teoria que tem como fundamento a explicação do mundo pelas ideias, ou pelo espírito. Para o idealismo, o “mundo das ideias”, independente da vida material ou da experiência hu­mana, criaria a realidade social. As ideias seriam criadas por si mesmas. A história da humanidade se explicaria pela evolução das idéias, dos costumes ou pela vontade de Deus. Segundo esta argumentação a realidade é consequência do nosso pensamento, ideias e conceitos que fazemos dela, que se manifestam em nosso espírito e não possuem qualquer sentido fora dele.
Nos tempos modernos, seus melhores representantes foram os pensadores dos séculos 18 e 19: Voltaire, Saint-Simon, Mon­tesquieu, Hegel, Schelling.  Hegel considerava que a história está sujeita a leis, mas essas leis seriam a expressão da Ideia Absoluta. Para a escola idealista, a razão seria a expressão da natureza humana. Fora dela o que existe é o absurdo.
As ideias são elementos importantes da realidade. O idealismo encerra uma parte da verdade. O seu erro não consiste em sublinhar a importância da ideia ou da razão, mas considerá-la como causa primeira ou mais profunda da História. Não seria a ideia governada, por sua vez, por outras causas? Na procura dessas causas, muitos historiadores e filósofos avançaram no sentido do materia­lismo, reconhecendo o papel da experiência, da economia e da luta de classes, mas sem abandonar o idealismo. A revolução francesa, manifestação da luta de classes, provoca uma revolução no mundo das ideias. John Locke afirma que as ideias têm origem na experiência. Saint-Simon procura sentar as bases de uma história científica. Elabora uma teoria da luta de classes: a luta do terceiro estado (a burguesia) contra a aristocracia (o feudalismo), a secular entre os industriais e os nobres. No entanto, como ideólogo burguês, via nos interesses da burguesia, então progressivos, a culminância do desen­volvimento social: a economia deveria estar de acordo com a natureza humana, principalmente, a economia burguesa.   Para a historiografia anterior, as massas ou as classes não existiam. A história era obra dos grandes homens. Para o materialismo histórico, os sistemas sociais – capitalismo, feuda­lismo, escravagismo – não dependem da natureza humana, mas do nível de desenvolvimento econô­mico da sociedade.

O materialismo histórico
        O materialismo afirma que o ser social, a prática social ou realidade material, cria os sistemas de pensamentos existen­tes, isto é, o ser social determina o nosso pensamento, ideias e as nossas vidas. Explica a consciência do homem pela sua existência, e não esta por sua consciência, como quer o idealismo. Na sua luta pela existência, o homem domina a natureza, e a modifica e modifica-se a si mesmo. O trabalho cria o próprio homem como ser social. Ao sair da comunidade primitiva, orga­niza-se em torno da produção material. O trabalho passa a ser o elemento mais determinante da ex­periência social. Mas não nega a importância da ideia e não busca todas as explicações na economia. Esta é apenas a base material sobre a qual se ergue o mundo das ideias. Mas as ideias, uma vez cria­das, assumem um papel decisivo na história da sociedade, inclusive, sobre a base econômica.
    Os homens fazem a História, mas não têm consciência das conseqüências gerais dos seus atos individuais: “Cada uma dessas gerações, mais ainda, quase que cada indivíduo integrante de cada geração perseguiu seus próprios fins: cada qual lutou por sua existência ou pela existência dos que lhe eram próximos e, no entanto, houve um movimento de conjunto, houve aquilo que chamamos de história do gênero humano” (A concepção materialista da História - Plekhanov). A história não é ca­sual. Por trás desses objetivos particulares, existem forças objetivas, das quais os homens não têm consciência, que explicam porque os fatos históricos aconteceram deste e não de outro modo. Não são os objetivos isolados que explicam os fenômenos históricos, mas as leis históricas objetivas. Somente essas leis podem explicar os grandes acontecimentos e ações de massas: as guerras, as revoluções, a queda dos impérios, etc. A consciência das massas e dos seus líderes não são a causa primeira das grandes transformações, mas as condições materiais da sua época.
        Inicialmente, muitos pensadores criticaram os males do capitalismo e o maldisseram. Sonha­vam em superá-lo, mas não sabiam explicar a natureza da exploração assalariada, nem descobrir as suas leis ou a força social capaz de criar a nova sociedade. Somente puderam elaborar propostas fan­tasiosas, que denominamos socialismo utópico. O anarquismo, ainda em moda, é uma das versões de socialismo utópico, pois não leva em consideração a realidade social. 

O Materialismo Histórico, obra de Karl Marx, define as leis do desenvolvimento social:
 “Minhas pesquisas conduziram a este resultado: que as relações jurídicas, bem como as formas de Estado, não podem ser compreendidas por si próprias, nem pela pretensa evolução geral do espírito humano, mas, ao contrário, deitam suas raízes nas condições materiais de existência, cujo conjunto Hegel, a exemplo dos ingleses e franceses do século 18, compreende sob o nome de “sociedade civil”. É na economia política que devemos buscar a anatomia da sociedade civil. Assim, é o estado econômico de um povo que determina, por sua vez, seu estado político, religioso e assim sucessivamente. Mas devemos per­guntar, o estado econômico não tem causa, por sua vez? Sem dúvida, como todas as coisas do mundo têm sua causa, e esta causa, causa fundamental de toda evolução social e, portanto, de todo movi­mento histórico, é a luta que o homem trava com a natureza para assegurar a sua própria existência”.
 “Na produção social da sua existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um grau de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção constitui a estru­tura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superestrutura jurídica e polí­tica e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é inversamente o seu ser social que determina a sua consciência. Num certo estágio de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em con­tradição com as relações de produção existentes, ou, o que é apenas a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais até então se tinham movido. De formas de desenvolvimento das forças produtivas que eram, essas relações se transformam em entraves. Abre-se então uma época de revolução social. A mudança da base econômica altera, mais ou menos rapidamente, toda a enorme superestrutura. Quando se consideram tais alterações, é preciso sempre distinguir entre  a alteração material, as condições da produção econômica e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas sob as quais os homens tomam consciência desse conflito e o levam ao seu termo. Do mesmo modo que não se julga um indivíduo pela idéia que ele faz de si próprio, não se deve julgar tal época de subversão por sua consciência de si mesma, ao contrário, é preciso explicar essa consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito que existe entre as forças produtivas sociais e as relações de produção”.
        “As maneiras de satisfação das necessidades do ser social e, em considerável medida, essas próprias necessidades são determinadas pelas propriedades daqueles instrumentos com os quais o ser social submete a Natureza, em maior ou menor grau; em outras palavras: são determinadas pelo es­tado das forças produtivas. Toda modificação importante no estado destas forças reflete-se, também, nas relações sociais entre os homens, e, portanto, também, sobre suas relações econômicas. Para os idealistas de todos os tipos e variedades, as relações econômicas são uma função da natureza humana  os materialistas dialéticos consideram estas relações como uma função das forças produtivas da sociedade”.
        Os homens criam espontaneamente relações de produção ou de propriedade, formando aquilo que se chama de relações sociais, ou modos de produção, caracterizados historicamente por diversas formas jurídicas: propriedade privada capitalista, propriedade feudal da terra, propriedade de escravos. Cada uma dessas formas de propriedade define um tipo de sociedade peculiar: a sociedade antiga, a sociedade feudal e o capitalismo moderno, cada qual representando etapas específicas do desenvolvimento social. Dessas relações de propriedade derivam a divisão da sociedade em classes sociais antagônicas, conforme descreve o Manifesto Comunista – escrito por Marx e Engels em 1848: “A história de qualquer sociedade até os nossos dias (excetuando a história da comunidade primitiva) foi apenas a história da luta de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre e companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos numa oposição constante desenvolveram uma guerra ininterrupta, ora aberta, ora dissimulada, uma guerra que acabava sempre, ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das classes em luta”.
As forças produtivas são a capacidade de produção da sociedade, baseada no grau de desenvolvimento da técnica e da ciência e, por conseguinte, no grau de domínio do homem sobre as forças da natureza. Resume-se na técnica e no trabalho humano. Toda produção – escreveu Marx – é apropriação da natureza pelo indivíduo. A sociedade entra num intercâmbio permanente com a natureza, utilizando as matérias primas fornecida por ela. Cada sociedade determinada desenvolve, de acordo com sua evolução científica e tecnológica, uma forma organizativa do trabalho. Por exemplo, a cooperação do trabalho desenvolvida pelo capitalismo - concentração de vários operários numa mesma fábrica – que constituiu um avanço em relação às corporações feudais. O grau de evolução científica e da técnica se mede, também, pelos meios de produção utilizados em determinada época, entendidos como as ferramentas e os “meios” para produzir: machado de pedra, bronze, ferro, terra (agricultura), arado, moinho, máquina a vapor, à combustão, à eletricidade, maquinário de tração animal, manual, mecânica, informatizada, etc.
O conjunto das forças produtivas e das relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade ou infraestrutura econômica. Sobre essa infraestrutura, e dependente dela, surge à superestrutura ideológica, o mundo das idéias: o direito, a filosofia, as religiões, a moral, o Estado, as ideologias em geral. É por isso que a cada tipo de sociedade, caracterizada por determinadas relações de produção – escravismo, feudalismo, capitalismo – correspondem formas diferentes de pensamentos de moral, de hábitos, de leis, de filosofia, de Estado. As formas de produção e de propriedade determinam o pensamento de uma época.

Selvagismo e comunidade primitiva
         A humanidade passou por longos períodos antes de chegar às sociedades dividas em classes sociais. Passou pelo selvagismo, após evoluir de alguma espécie de hominídeos primitivos, parentes do Homem de Neanderthal, Homo Erectus, etc. Para chegar à sua forma atual, a nossa espécie sofreu transformações biológicas, passando a andar de forma ereta e liberando a mão para o trabalho. A partir daí, o homem pode evoluir rapidamente, como resultado do seu próprio trabalho, desenvolvendo instrumentos de trabalho para a caça e a pesca. Nessa fase, o homem extraía diretamente o seu sustento da natureza. Não havia modo de produção, propriedade ou Estado.
        A descoberta da agricultura, a domesticação de animais, a produção de cerâmica e de metais representou a transição para as sociedades modernas. Essa sociedade de transição foi a Comunidade Primitiva. A terra e os instrumentos de trabalho eram propriedade coletiva da gens, forma de família consanguíneo  Havia já uma divisão espontânea de trabalho que dava à mulher um papel destacado, vigorando o direito materno. Era ainda uma sociedade sem classes e onde o Estado não existia.
       O desenvolvimento da criação de gado, a elaboração dos metais, a tecelagem e a agricultura mudou radicalmente a situação. O surgimento de um excedente de produção conferiu ao homem uma maior importância social e destruiu a família de direito materno, substituindo-a pela de direito paterno. Estabeleceu a divisão do trabalho entre homem e mulher e o antagonismo entre os sexos. A monogamia masculina nasceu da concentração de riqueza nas mãos do homem e da necessidade de transferi-la, por herança, aos filhos. O direito paterno facilitava a acumulação das riquezas na família restrita e tornava esta um poder contrário à gens, que é progressivamente destruída. A acumulação de riquezas dava-se também através do roubo e da violência, principalmente, pelas guerras. Para isso, tornou-se necessária uma nova instituição social, a escravatura, o que implicava o nascimento também do Es­tado, organismo necessário para impor os interesses dos escravagistas sobre os escravos.

 Escravismo e servidão coletiva
         O trabalho escravo vigorou na Grécia antiga (Atenas e Esparta) e no Império Romano. Existiram distintas classes: aristocratas, senhores (ou patrícios) e um corpo dos funcionários (escribas, juristas  magistrados, sacerdotes, etc.), plebeus e escravos, base econômica da sociedade. O escravo é ele mesmo uma mercadoria.
        A servidão coletiva (ou “modo de produção asiático”) é a transformação de uma massa de trabalhadores em servidores de um rei. Não eram escravos, embora sua situação social fosse semelhante  Este tipo de “modo de produção”, onde o rei revestia-se de autoridade divina, vigorou no antigo Egito, Mesopotâmia, Babilônia, Pérsia, China e Índia.
        O Império Romano foi o maior exemplo de sociedade escravista (a maior “contribuição” do escravismo está na filosofia e na arte grega).  Ao longo dos séculos, as forças produtivas estancaram-se com a conquista de quase todo o mundo antigo. O cristianismo em apenas 250 anos erigiu-se em religião de Estado, adequando-se às circunstâncias da época, como também se adequou ao feudalismo e ao capitalismo. Em todas as partes, onde não houve resistência do idioma grego, as línguas nacionais cederam lugar ao latim; desapareceram as diferenças de “nações”; já não havia gauleses, iberos, lígures, nórdicos: todos se tinham convertido em romanos. A administração e o direito romanos tinham dissolvido em toda parte as antigas uniões gentílicas. O Estado romano era o único vínculo de coesão do império e ao mesmo tempo seu pior opressor. As províncias tinham arruinado Roma. A própria Roma tinha se transformado em cidade de província, já não era o centro do império, nem sede dos imperadores e governadores, que residiam em Constantinopla, Treves e Milão. O Estado romano se tinha tornado uma máquina de arrecadação de impostos, prestações pessoais ao Estado e gravames de todas as espécies.
        Não eram melhores as condições nos tempos de república: empobrecimento geral, declínio do comércio, decadência dos ofícios manuais e das artes, diminuição da população, decadência das cidades  retrocesso da agricultura. Os latifúndios foram divididos em lotes. Os colonos ficavam sujeitos à terra e podiam ser vendidos juntamente com ela; não eram escravos, mas tampouco livres, precursores dos servos medievais. Todo trabalho  produtivo era considerado indigno, próprio de escravos. Havia um crescente número de escravos supérfluos alforriados e um aumento de homens livres empobrecidos. A escravidão tornou-se economicamente inviável e o trabalho dos homens livres estava moralmente proscrito. Só uma revolução, que não houve, poderia solucionar o problema. A sociedade foi à ruína. A única instituição que se manteve foi a Igreja Católica. Da fusão do mundo romano, bárbaro, germânico e cristão nasceu a sociedade feudal.

Feudalismo
        A Europa dividiu-se em pequenos reinados e ducados, e estes em feudos, sob o poder dos senhores feudais. Com as invasões bárbaras e os saques das cidades, houve uma fuga para o campo. A vassalagem obrigou os des­possuídos a pedir proteção a um senhor feudal em troca de um pedacinho de terra, tornando-se servos (donos apenas dos seus instrumentos de trabalho). O servo pertencia à terra e trabalhava parte do seu tempo para o senhor. Os reinos europeus não contavam com um governo centralizado, embora os reis continuassem existindo simbolicamente. A grande “senhora feudal” era a Igreja Católica, possuidora de grandes extensões de terra, administradas pelo alto clero. O clero, ao lado dos senhores feudais, formava a nobreza feudal.
        Apesar do predomínio do campo, algumas cidades mantiveram-se politicamente independentes e pólos de produção de mercadorias. Valendo-se dessa relativa independência, desenvolveu-se a classe burguesa e com ela, posteriormente, o capitalismo industrial (no oriente, a cidade foi uma criação artificial do Estado, um “acampamento princi­pesco”). O crescimento da burguesia expressou-se na heresia protestante. Todo  movimento social era obrigado a revestir-se de um disfarce religioso. Surge também nas cidades uma classe de plebeus sem posses: jornaleiros, servidores diversos, precursores do proletariado moderno.
          A luta da burguesia contra a nobreza tomou proporções “nacionais”.  A Reforma, liderada por Martinho Lutero, na Alemanha, foi a primeira grande revolta da burguesia, derrotada por esta não estar ainda suficientemente desenvolvida. A bandeira da “reforma” da Igreja espalhou-se para outras regiões. Na Inglaterra, surgiu o calvinismo. A revolução “gloriosa” de 1689 se encerrou com um acordo de uma parte da nobreza com os burgueses  Na França, a minoria calvinista foi reprimida em 1685. A violência de Luís XIV só serviu para a burguesia francesa fazer sua revolução de forma irreligiosa. Muitos pensadores, filósofos, cientistas e pessoas comuns morreram nas fogueiras da Santa Inquisição. A Igreja tratava de liquidar todos os seus oponentes. Contudo, a impossibilidade de exterminar a “heresia protestante” correspondia à invencibilidade da burguesia em ascensão.
        A sociedade feudal se caracteriza pela pequena produção individual para o consumo. Apenas o excedente é vendido. A produção artesanal foi substituída pela manufatura e esta pela grande indústria, primeiramente na Inglaterra, que produz exclusivamente para o mercado. Começa a hegemonia capitalista.  As forças produtivas burguesas rebelaram-se contra o regime de produção feudal, os privilégios corporativos. As barreiras feudais foram rompidas na Inglaterra e na França . A Revolução Francesa de 1789 foi a primeira abertamente política. Destruiu a aristocracia feudal e levou ao triunfo completo da burguesia, significou o triunfo da massa popular sobre as classes sociais ociosas e privilegiadas  a nobreza e o clero. Mas o triunfo do “terceiro estado” (do qual faziam parte indistintamente a burguesia e o proletariado) não era mais que o triunfo de uma parte muito pequena dele, a burguesia.

O Capitalismo
        As classes antigas, senhores feudais e servos, foram substituídas por novas classes e novas condições de opressão. Surgem duas classes opostas: a burguesia e o proletariado. A burguesia é a classe dos capitalistas, proprietários dos meios de produção social (fábricas, latifúndios, bancos, etc.), que empregam trabalho assalariado. O proletariado é a classe dos trabalhadores assalariados que, não tendo meios de produção próprios, são obrigados a vender sua força de trabalho. O aparecimento do capital implica condições históricas prévias: 1) a acumulação de certa soma de moeda nas mãos da burguesia num estágio já relativamente elevado da produção mercantil; 2) a existência de trabalhadores “livres” de qualquer restrição à venda da sua força de trabalho, e livres também porque, despojados dos meios de produção, só podem subsistir vendendo a sua força de trabalho – dez, doze, quinze horas por dia - em troca de um salário aos proprietários das matérias primas, dos instrumentos de trabalho, isto é, aos capitalistas. O operário não pertence a nenhum proprietário nem está preso à terra. Pode deixar o capitalista para quem trabalha e este pode despedi-lo quando achar necessário, mas não pode desligar-se de toda a classe capitalista sem renunciar à existência. Ele não pertence a este ou aquele patrão, mas à classe capitalista e compete-lhe encontrar um comprador da sua força de trabalho.
        De todas as classes que se opõem à burguesia, só o proletariado é uma classe objetivamente revolucionária. As outras classes (pequena-burguesia e lumpesinato) perecem com a grande indústria: o proletariado, pelo contrário, é o seu produto mais autêntico. As classes médias, pequenos fabricantes  retalhistas, artesãos, camponeses, todos combatem a burguesia porque ela é uma ameaça para a sua existência como classes médias. Essas classes são em geral conservadoras. Quando são revolucionárias, é devido à sua iminente passagem para o proletariado.
        A grande indústria levou à miséria as massas trabalhadoras. O desenvolvimento tecnológico não se traduz em bem estar social, mas em desemprego. A indústria, ao atingir determinada fase de desenvolvimento, se chocou com o regime de produção feudal. Hoje  se choca com a propriedade privada  Coibida pelos limites estreitos do modo de produção capitalista, a grande indústria proletariza as grandes massas e cria uma crescente massa de produtos que não encontram saídas. Superprodução e miséria das massas – cada uma delas sendo causa da outra – eis a contradição absurda da grande indústria e que reclama imperiosamente a libertação das forças produtivas mediante uma mudança do modo de produção. Sob o capitalismo, o desenvolvimento das forças produtivas chega a seu limite, expresso pelo excesso da oferta sobre a procura e pelas crises econômicas, que ocorrem, em média  a cada dez anos. Entra-se num círculo vicioso: superabundância de meios de produção e de produtos de um lado e, de outro, operários sem trabalho. Essa contradição converte-se em contrassenso: o modo de produção revolta-se contra a forma de propriedade. A burguesia torna-se supérflua como, então, a nobreza feudal.

 A revolução socialista
          As numerosas revoluções dos séculos 18 e 19 demonstraram que a luta de classes é a força motriz do desenvolvimento social. Nem uma só liberdade política foi conquistada à classe dos senhores feudal sem que esta oferecesse uma resistência encarniçada. O mesmo acontece no capitalismo. O proletariado conquistou os seus direitos sociais – que estão sendo retirados – com muita luta. A burguesia não cede espontaneamente nenhum dos seus privilégios. O capitalismo se encontra em decadência  Suas contradições são insolúveis. Os trabalhadores de todo o mundo somente podem esperar mais exploração, miséria e guerras.  O prolongamento da sua existência significa uma agonia econômica e social sem precedentes: a barbárie.
          Os trabalhadores sempre serão enganados enquanto não tiverem aprendido que, por detrás das declarações e das promessas, devem discernir os interesses de determinada classe e que as instituições servem às classes dominantes. E, para quebrar a resistência dessas classes, devem organizar- se para a luta. Não basta a vontade de abolir o capitalismo. São necessárias condições materiais: grande desenvolvimento das forças produtivas e a socialização do trabalho, através da grande indús­tria e dos cartéis capitalistas. O agente dessa transformação é o proletariado moderno, criado e agrupado por essa indústria. Essas condições objetivas estão mais do que maduras. Faltam apenas as con­dições subjetivas: a consciência, a organização e um partido revolucionário.  A luta torna-se inevita­velmente uma luta política pela instauração da ditadura do proletariado, que é a forma de impedir a burguesia de retomar o poder perdido. É uma ditadura dos trabalhadores sobre a burguesia e uma democracia para os trabalhadores baseada nos Conselhos Populares.
        O socialismo também cria uma nova forma de família, sem patriarcalismo, suprime a opressão da mulher, dos negros, dos homossexuais, elimina a opressão do homem e, ao mesmo tempo, a opressão imperialista sobre as nações. O capitalismo, ao criar o mercado mundial, destrói incessante­mente às barreiras econômicas nacionais, mas mantém a dominação das nações imperialistas sobre as colônias e semicolônias. As classes sociais – burguesia e proletariado - são internacionais.  É por isso que os operários “não têm pátria”. A luta internacional é uma das primeiras condições para a sua emancipação.

O que é e para que serve o Estado?
        As sociedades primitivas não conheciam Estado, que surgiu a certo grau de desenvolvimento econômico. O Estado delimita um território, coisa que as gens não faziam. Não é criado proposital­mente, desenvolve-se sem ser notado. Os ideólogos burgueses dizem que o Estado é o conjunto das instituições públicas para administrar um país em prol de toda a sociedade. Seria neutro, nem dos ri­cos, nem dos pobres, um organismo de conciliação de classes.  Essa definição dissimula a real função do Estado.  Para o marxismo, o Estado não é “a realização da Ideia Moral”, “a imagem e a realização da razão”, como pretendia Hegel. Também não é neutro. É um produto da sociedade numa certa fase do seu desenvolvimento. É a confissão de que essa sociedade se embaraçou numa insolúvel contradi­ção interna, se dividiu em antagonismos de classe irreconciliáveis. Para que esses conflitos não devo­rassem a sociedade, institui-se uma força colocada aparentemente acima dela, com o fim de atenuá-los. Essa força, que sai da sociedade, ficando, porém, por cima dela e dela se afastando cada vez mais, é o Estado.
        O Estado é um órgão de dominação de classe, de submissão de uma classe por outra, que lega­liza e consolida essa submissão, amortecendo a colisão entre as classes. Na sociedade atual, é uma organização para a defesa do capitalismo, qualquer que seja a sua forma. É o Estado dos capitalistas, violência organizada contra o proletariado. O Estado necessita de um poder público, não somente ho­mens armados, como também prisões e instituições coercitivas de toda a espécie, um corpo de funcio­nários. O exército e a polícia são os seus principais instrumentos. O Estado antigo (escravista) e o Es­tado feudal eram órgãos de exploração dos escravos e dos servos. O Estado moderno é um instru­mento de exploração do trabalhado assalariado pelo capital. Há, no entanto, períodos excepcionais em que as classes em luta atingem tal equilíbrio de forças, em que o poder adquire momentaneamente certa independência em relação às classes: a monarquia absoluta dos Séculos 17 e 18, o bonapar­tismo do primeiro e do segundo Império na França, Bismarck na Alemanha e as ditaduras modernas.
         O Estado burguês pode ter diversos regimes: governo monárquico constitucional, ditadura mili­tar e democrático-burguês presidencialista ou parlamentarista. O Estado se define pelo tipo de propri­edade que defende, se defende a propriedade privada, é um Estado burguês. Também o Estado “de­mocrático” é uma democracia para os exploradores e uma ditadura para os explorados: “só um rea­cionário, um inimigo da classe operária, um lacaio da burguesia, pode pintar agora os encantos da democracia burguesa e tagarelar sobre a democracia pura, voltando-se para um passado já caduco. A democracia burguesa foi progressista em relação à Idade Média, e era preciso utilizá-la. Mas agora é insuficiente para a classe operária. Agora é preciso olhar não para trás, mas para frente, para a subs­tituição da democracia burguesa pela democracia proletária. E se o trabalho preparatório da revolução proletária, a educação e a formação do exército proletário foram possíveis no quadro do Estado demo­crático-burguês, limitar o proletariado nesse quadro, uma vez que se chegou às ‘batalhas decisivas’, é trair a causa proletária, é ser um renegado” (Lênin).  
        A burguesia administra o Estado através dos seus partidos. A “liberdade de voto” é uma farsa, somente serve para decidir periodicamente qual o membro da classe dominante há de oprimir o povo. Não é possível mudar a vida dos trabalhadores através do voto, mas somente através da revolução socialista. O partido revolucionário é fundamental para organizar a luta do proletariado.  Os anarquis­tas, ao subestimarem a necessidade do partido, prestam um serviço à burguesia. Os partidos oportu­nistas se sentem muito confortáveis no capitalismo e vendem os interesses dos explorados.

 A extinção do Estado e o Comunismo
        Ao se apoderar do Estado, o proletariado transformará os meios de produção em propriedade pública, dirigidos segundo um plano previamente elaborado. O fim da propriedade privada desamarra a economia, criando as condições para o aumento da produção e um regime de bem estar social para todos. O fato de o Estado se tornar, finalmente, representante efetivo da sociedade inteira – com a posse dos meios de produção – marca o começo da sua extinção, vai se tornando supérfluo. Deixa de ser um Estado tradicional. Uma vez que vá sendo superada a luta pela existência, em que vão sendo atenuados os conflitos sociais, o Estado, como força repressora, vai deixando aos poucos de ser ne­cessário por não haver classe a oprimir.  O governo das pessoas é substituído pela administração das coisas e pela direção da produção. O Estado não é abolido, morre. A idéia anarquista de abolição do Estado de um dia para outro é uma pretensão utópica. Desconsidera que as classes sociais não podem ser abolidas imediatamente, que a burguesia subsistirá por certo tempo e que é preciso que a nova sociedade se defenda dela através do poder estatal. Ao negar-se a criar um Estado transitório dos tra­balhadores, deixa as portas abertas para a reação burguesa.
       O fim do Estado demandará um longo processo de criação das condições materiais necessárias. A libertação das forças produtivas das amaras da propriedade privada, um regime de abundância para todos e o fim da luta pela sobrevivência são as condições para o advento do comunismo e o fim das classes sociais. Não pode existir socialismo na miséria. Na medida em que as forças produtivas se de­senvolverem e com elas o bem estar social e, ao mesmo tempo, forem derrotando a resistência da contrarrevolução burguesa, tanto a nível nacional quanto internacional, a intervenção da autoridade do Estado nas relações sociais se tornará supérflua num campo após o outro da vida social e cessará por si mesma. Então, o homem sairá finalmente do reino animal e se elevará às condições de vida verda­deiramente humanas, senhor das relações sociais e da natureza. “Traçará a sua história com plena consciência, sairá do reino da necessidade para o reino da liberdade.” Em uma fase superior da sociedade comunista – escreveu Marx –, quando houver desapare­cido a escravizante subordinação dos indivíduos à divisão do trabalho e, com ela, os antagonismos entre o trabalho manual e o trabalho intelectual; quando o trabalho tiver se tornado não só o meio de vida, mas também a primeira necessidade da existência; quando, com o desenvolvimento dos indiví­duos, em todos os sentidos, as forças produtivas forem crescendo, e todas as fontes da riqueza pú­blica jorrarem abundantemente, só então, o estreito horizonte do direito burguês será completamente ultrapassado e a sociedade poderá inscrever na sua bandeira: "de cada um conforme a sua capaci­dade, a cada um segundo as suas necessidades". A sociedade reorganizará a produção na base de uma associação livre e igualitária dos produtores, relegará toda a máquina do Estado para onde será, a partir daí, o seu lugar: o museu de antiguidades, ao lado da roda e do machado de bronze.

 As lições da História
        A revolução russa inaugurou o primeiro Estado Operário da História. Mas o poder do Estado, longe de diminuir, aumentou sobremaneira, levado a limites extremos pelo estalinismo, casta usurpa­dora parasitária. Mesmo nos anos de soberania dos sovietes (1917 – 1924) o poder do Estado não diminuiu. O marxismo deve incorporar essas lições. Os clássicos marxistas jamais imaginaram uma revolução proletária vitoriosa num país atrasado, como a Rússia. Era unanimidade que a revolução deveria começar pelos países capitalistas adiantados: Inglaterra, França, Alemanha, Estados Unidos, como previa a sua teoria. A revolução socialista, começando nesses países desenvolvidos, somente poderia se completar no âmbito internacional, ou seja, com a vitória nos demais países.  Trotsky, com a teoria da Revolução Permanente (1905), pela primeira vez, previu que a revolução proletária, apoi­ada nos camponeses, poderia começar num país atrasado, instalando a ditadura do proletariado, que cumpriria com as tarefas democráticas pendentes e imediatamente começaria a realizar as primeiras tarefas socialistas. Essa revolução ou se estenderia para os países desenvolvidos ou seria derrotada.
        A revolução proletária, tendo começado num país atrasado, tornou-se ainda mais dependente da revolução internacional. A estabilização do capitalismo e a derrota das revoluções européias, princi­palmente, a alemã de 1918, selou o destino da revolução russa. A burocratização estalinista foi o re­sultado dessa derrota internacional. O aumento do poder no Estado soviético, ao invés da sua diminui­ção, se deveu ao estalinismo, ao atraso russo e à derrota internacional, agravado pela guerra mundial e a guerra civil. O marxismo sempre considerou que o socialismo dependeria de um alto grau de de­senvolvimento das forças produtivas. Afirmava que a expropriação da propriedade privada representa­ria um enfraquecimento do poder do Estado. Isso não aconteceu por essas razões citadas. Em 1921, com o fim da guerra civil, a indústria russa estava reduzida a 13% da sua capacidade. Grassava entre as massas fome e miséria generalizada. Havia descontentamento geral. Isso obrigou o poder soviético a promover a Nova Política Econômica (NEP), um recuo provisório em direção ao comércio privado, principalmente, no campo, e a proibir pela primeira vez as tendências internas. Não existiam condições favoráveis ao enfraquecimento do Estado. O estalinismo transformou essas políticas excepcionais em princípio permanentes e as levou a extremos absurdos.
        As condições para o fim do Estado foram estudadas por Marx, Lênin e Trotsky.  Este as analisou detalhadamente no seu livro A Revolução Traída. Marx fala no direito burguês que subsiste no Estado Operário. Lênin assim se refere: “O direito burguês, em matéria de repartição dos artigos de consumo, supõe naturalmente o Estado burguês, pois o direito não é nada sem um aparelho de coação que im­põe as suas normas. Surge-nos assim o direito burguês a subsistir durante certo tempo no seio do comunismo, e até mesmo o Estado burguês a subsistir sem burguesia. Segundo Trotsky: “O Es­tado adquire imediatamente um duplo caráter: socialista, na medida em que defende a propriedade coletiva dos meios de produção; burguês, na medida em que a repartição dos bens tem lugar segundo padrões de repartição capitalistas”. Esse direito burguês significa que o Estado Operário precisa man­ter ainda o trabalho assalariado, que representa uma injustiça social. Primeiro, pelas diferenças salari­ais entre os tipos de trabalho; segundo, porque mesmo salários iguais representam uma injustiça: as necessidades dos trabalhadores e suas famílias não são as mesmas. Nessa primeira fase, o Estado Operário não pode retribuir o trabalhador segundo as suas necessidades, mas segundo o seu trabalho. Isso é uma fonte permanente de conflito e de privilégios. Esses privilégios, na medida em que sejam inevitáveis, mas que sirvam para estimular a produção servem a fins socialistas. Portanto, o Estado Operário, mesmo o mais saudável, é um guardião de privilégios: “O Estado, que toma por tarefa a transformação socialista da sociedade, sendo obrigado a defender pela coação a desigualdade, isto é, privilégios da minoria, torna-se, em certa medida, um Estado ‘burguês’, embora sem burguesia” (Trotsky).
   A experiência russa, chinesa, cubana, etc., demonstra que a estatização dos meios de produ­ção, mesmo sendo uma condição necessária para o começo do fim do Estado, não é suficiente: “a transformação das formas de propriedade, longe de decidir a questão do socialismo, não faz senão colocá-la” (idem). O elemento mais importante, não apenas para o socialismo realizado, mas também para que o Estado comece a definhar, é o desenvolvimento da base econômica, um regime de abun­dância. Um indicador de que um Estado operário se encaminha para o socialismo é o aumento da pro­dutividade do trabalho: “Uma fraca produção de mercadorias forma inevitavelmente explorado­res” (idem).
        Existe também um elemento político, o caráter da direção à testa do Estado. Num país atra­sado, e na ausência da revolução noutros países, a pressão burocrática é inevitável. A burocracia é um entrave ao desenvolvimento. Em toda revolução começa uma corrida contra o tempo pela revolução internacional. A direção revolucionária deve ser uma barreira contra privilégios injustificáveis. Existe um limite além do qual os desníveis de renda se transformam em degeneração.
        O destino da revolução não depende apenas da direção, depende também da luta de classes internacional. Inicia-se um luta contra as tendências burocráticas. Os direitos do proletariado devem ser permanentemente defendidos, mesmo eventualmente contra a sua direção. Os seus limites se de­finem pela luta. Nenhuma direção revolucionária os delimitará sozinha. Após a revolução, o proletari­ado continua a sua luta em duas frentes: contra a burguesia internacional e contra as tendências bu­rocráticas. Em maior medida nos países atrasados. A democracia operária é o bem mais precioso da revolução, que se vê diante de duas tendências: uma para o socialismo e outra para o regresso ao capitalismo. O progresso econômico reforça a tendência socialista, até torná-la inevitável. O melhor indicador do reforço da tendência socialista é quando o desnível de renda começa a diminuir e au­mentar o bem estar geral.
        A História ainda não nos brindou com uma revolução vitoriosa num país avançado, o que atenua­ria muito as tendências burocráticas. Hoje o nível da técnica é muitas vezes maior do que aquele do início do Século 20. Aquelas revoluções, apesar de derrotadas, não foram em vão. Hoje, a base material, principalmente, no leste europeu e na China, é muito maior do que antes. Nes­ses países uma nova revolução, certamente, não enfrentaria as mesmas dificuldades de então. Com maior razão, se diga dos países desenvolvidos. Devemos aprender com as derrotas. Elas aplainam o caminho das futuras vitórias. A crise do capitalismo demonstra a sua agonia. O proletariado não tem razões para pessimismo. O futuro lhe pertence.

Bibliografia e citações
A concepção materialista da História. Plekhanov.
Prefácio à Contribuição para a crítica da economia política. Karl Marx.
Do socialismo utópico ao socialismo científico. Friedrich Engels.
Contribuição para a crítica da economia política. Karl Marx.
Trabalho assalariado e capital. Karl Marx.
Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem. Friedrich Engels.
As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo. Lênin.
Manifesto do Partido Comunista. Marx e Engels.
A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Friedrich Engels.
A ideologia alemã. Karl Marx e Friedrich Engels.
Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã. Friedrich Engels.
O Estado e a Revolução. Lênin.
A revolução proletária e o Kautsky. Lênin.
A revolução traída. Leon Trotsky.
      

sábado, 19 de outubro de 2013

A CRIMINALIZAÇÃO DA ESQUERDA


            O aparato repressor do Estado burguês está em ampla ofensiva contra os movimentos sociais e sua vanguarda: bombas, armas químicas, mortes, prisões, torturas, indiciamentos, invasões de residências, e a utilização da Lei de Segurança Nacional (LSN), têm sido os métodos ditatoriais dos governos na atual conjuntura. A “democracia” burguesa nunca deixou de ser uma ditadura disfarçada.
        As mobilizações de junho injetaram novo ânimo na população após longo período de calmaria e de investidas da classe dominante contra os trabalhadores. A explosão semi-espontânea da juventude despertou a simpatia dos trabalhadores, mas estes por conta de suas direções sindicais burocráticas e governistas não se engajaram organizadamente nas mobilizações. Os governos, pegos de surpresa, apelaram para a repressão ao estilo das ditaduras fascistas. Em resposta, as mobilizações se multiplicaram.
        Nessas condições, num primeiro momento, o Estado tornou a repressão mais seletiva. As televisões passaram a exaltar a legitimidade do movimento pacífico e criminalizar o vandalismo para ganhar a opinião pública. A burguesia tentou dirigi-lo. Dilma, com a sua proposta de reforma política; a direita fascista, com a bandeira contra a corrupção e uma cruzada contra a esquerda, sob o pretexto de combate aos partidos em geral.  Ao mesmo tempo em que a imprensa denunciava o vandalismo, os aparatos repressivos os promoviam com seus agentes infiltrados, que passaram a ser seu monopólio. Isso ficou cada vez mais evidente nos atos de rua.
        A nova brisa de junho não alterou o rumo geral da conjuntura, ou seja, a burguesia continua na ofensiva política e os trabalhadores na defensiva. Nessas condições, mais que em outras, são injustificáveis métodos ofensivos que servem para provocar o inimigo. Nossas ações, ao contrário do vanguardismo, devem ser planejadas e com objetivo de acumular forças para destruí-lo. O grande medo da burguesia é que essa relação de forças se inverta, que a juventude contagie os trabalhadores e as vilas, o que, em pequena escala, começou a acontecer. O massacre na favela da Maré não foi casual, mas um recado às vilas do Rio de Janeiro e do Brasil.
        A atual criminalização dos movimentos sociais e da esquerda tem a finalidade de prevenir a entrada em cena dos trabalhadores organizados (a exemplo dos atos em solidariedade aos professores do RJ), destruindo e intimidando a sua vanguarda. Essa repressão ostensiva precisa de pretextos para justificar à opinião pública as prisões, as torturas, as mortes e bombas jogadas contra os movimentos sociais, como é tradicional por parte da classe dominante. Hitler, para dar o golpe de Estado, incendiou o parlamento (Reichstag) e culpou os comunistas. A ditadura militar planejou o atentado do Rio Centro e a Operação Parasar, entre outros. O atual vandalismo tem a mesma lógica. Somente os ingênuos e os movimentistas não vêem essa intenção. A escalada da criminalização explica-se por esse medo da burguesia. As provocações são proporcionais à necessidade da repressão. A necessidade de intimidação com a LSN levou a atentados maiores como aquele à Escola Militar (RJ) ou ao museu e à Igreja Matriz (Porto Alegre).

O TABU VANGUARDISTA
        Tornou-se um tabu a crítica a esses métodos (jogar pedras, quebrar as vidraças dos bancos, etc.) atribuída a uma suposta cumplicidade com a repressão. Crime seria denunciar companheiros, mesmo que equivocados ou invocar a repressão sobre eles. Esses companheiros devem ser defendidos da repressão. Vandalismo pratica a burguesia, que depreda o ambiente, as moradias populares e os recursos nacionais (Pinheirinho, Belo Monte e o leilão de Libra). Mas a crítica pública ao vanguardismo é necessária, porque a sua defesa também é feita publicamente por justificadores. É um debate político legítimo. A defesa acrítica do vanguardismo, isso sim, é conluio de fato com a repressão (que os pratica em larga escala), porque os seus defensores deviam saber que estão mal acompanhados.
        Existem muitos justificadores do vanguardismo (semelhante ao foquismo, que tanto estrago já causou aos trabalhadores). Parece que se negam a aprender com história. Alguns anarquistas são coerentes com a sua doutrina, que é contra qualquer forma de poder, inclusive o poder dos trabalhadores. O seu método consiste apenas em incomodar ou neutralizar a burguesia, utopia liberal, como se a auto-organização popular fosse possível com a manutenção do poder burguês. Quem não luta pelo próprio poder é conivente com o poder dominante. Dizem que todo poder é uma ditadura sobre os próprios trabalhadores. Não necessariamente. Foi assim com o estalinismo. É uma utopia pretender uma sociedade sem poder (ou sem Estado), enquanto houver luta de classes. A luta de classes implica o poder de uma classe sobre outra. Não pode haver anarquia (ausência de Estado ou de poder, que também é o objetivo dos marxistas) na vigência da luta de classes. Pela sua ótica, o vanguardismo seria uma forma de auto-exemplo, de acumulação de forças ou, como dizem, “empoderamento” das massas. Isso, para ser verdadeiro, seria necessário que não houvesse luta de classes. Esquecem que a burguesia não está dormindo. Toda luta de classes termina em vitória ou derrota. Não se acumula forças com as derrotas. Existem também os justificadores ditos “marxistas”. Estes são os oportunistas que querem contentar a todos, porque o marxismo se forjou no combate a todo tipo de vanguardismo, o blanquismo em particular.
        Os justificadores dos métodos vanguardistas corretamente argumentam que o verdadeiro vandalismo é praticado pela burguesia, que toda depredação nada representa diante disso. Mas o problema não é esse, não é uma questão de contabilidade, ou seja, sobre qual a relação entre os prejuízos causados por uns e outros. A questão é política, a luta ideológica contra o poder da burguesia: qual a utilidade de semelhantes métodos? O que está em jogo é a luta pela opinião pública, que os vanguardistas desprezam e a burguesia tem em alta conta. Os nossos argumentos pouco representam diante do enorme poder de distorção e amplificação dos fatos pela grande imprensa. Dizer que devemos saber nos opor á opinião pública, é uma meia verdade. Por exemplo: não nos guiamos pela opinião pública para apoiar uma greve. Entretanto, isso não significa que a conquista do apoio à mesma deixe de ser um objetivo. Não tem qualquer sentido afrontá-la gratuitamente. Somente os ingênuos, os equivocados e os agentes provocadores aplaudem esses métodos inconseqüentes, infantis, nuns casos, e muito propositais em outros, enquanto a burguesia agradece.
        A maior necessidade do movimento é a organização de grupos de autodefesa, para que a repressão encontre resistência organizada, não cause dispersão e desmoralização da massa despreparada. Esses métodos vanguardistas nada têm a ver com a necessidade de autodefesa, são atitudes individuais, sem nenhuma consulta aos manifestantes e opostas aos seus interesses. Ao invés de conter a repressão a justifica.


sábado, 5 de outubro de 2013

ABAIXO A REPRESSÃO AO BLOCO DE LUTAS

        Terça-feira, 1º de outubro, a polícia do governo Tarso desencadeou uma caça a militantes e organizações do Bloco de Lutas (PSTU, PSOL, Centro Cultural Moinho Negro, entre outros), nos moldes da ditadura militar. A ação policial constou de mandatos de busca e apreensão na casa de militantes e sedes de organizações do Bloco de Lutas, acusados de formação de quadrilha. Foram apreendidos computadores, materiais de propaganda e livros. O pretexto seria uma investigação sobre depredações ao patrimônio público ocorridas nas manifestações de junho. A verdade é outra. Trata-se de uma campanha de intimidação e criminalização de organizações do Bloco de Lutas que lhe fazem oposição. Não por acaso, essa perseguição política ocorre após a expulsão dos militantes do PT desse Bloco e após ato chamado pelo Bloco de Lutas “1000 dias de luto pelo governo Tarso e contra a reforma do Ensino Médio Politécnico”. Na ocasião, já haviam sido presos três professores acusados da depredação do Museu Júlio de Castilho e da Catedral Metropolitana. Esses militantes nada tinham a ver com esses fatos e foram presos muitas horas após os mesmos, sob a alegação cínica de flagrante delito.
         Desde o início do movimento da juventude, depredações ao patrimônio público e privado são executadas pelos serviços secretos dos governos federal e estaduais (SP, RJ, RS, entre outros) através de agentes provocadores externos e internos ao movimento. Os governos burgueses do PT, PMDB e PSDB tem sido cúmplices dessa farsa. São tradicionais as provocações da burguesia para incriminar os movimentos sociais, a exemplo do Rio Centro. Muitas evidências – depoimentos de manifestantes e relatos da imprensa – apontam para a participação e cumplicidade dos aparatos secretos de repressão e grupos fascistas com os atos de vandalismo. O fato de algumas organizações de esquerda defenderem equivocadamente ações contra “os símbolos da burguesia” não exime a responsabilidade maior dos órgãos governamentais. Os Fóruns de Lutas pagam o preço de não discutirem os seus métodos de luta.
         Temos diferenças políticas com o PSOL, PSTU e outros acusados, mas os mesmos não são quadrilheiros, nem vândalos. São organizações políticas. Estão sendo perseguidas, não por esses pretextos mesquinhos, mas por participarem de um movimento legitimo. Métodos de quadrilha são aqueles urdidos nos bastidores dos serviços de segurança. A tentativa de intimidação dessas organizações atinge a todo o movimento da juventude e dos trabalhadores, que não se deixará intimidar. É hora da unidade contra essa repressão e de denúncia dos seus métodos truculentos e dissimulados.

                                                                          

domingo, 29 de setembro de 2013

AS JORNADAS DE JUNHO


A juventude levantou-se contra a falta de perspectivas, convocada pelos Fóruns de Luta: desemprego, baixos salários, péssimos serviços públicos. Não foi um “raio em céu sereno”, mas uma revolta acumulada. Não foi um movimento espontâneo porque convocado e foi espontâneo porque extrapolou a influência dos convocantes. Também não era espontaneamente anticapitalista ou antiestatista, como afirmam alguns anarquistas, que exageram o papel da espontaneidade. Também o PSTU afirma que as reivindicações imediatas são objetivamente anticapitalistas. Não é verdade que os atos não foram dirigidos. Não houve uma direção hegemônica, mas houve direções.
            O movimento foi disputado por três setores: pelo governismo (PT, CUT, UNE, PC do B), pela direita fascistizante (PSDB, Globo, SBT, Record, grupos fascistas e a polícia) e por grupos reformistas (PSOL, PSTU, anarquistas, entre outros). O governo tentou desviá-lo com a sua proposta de reforma política (constituinte, plebiscito, financiamento público de campanha, etc.). A CUT e as centrais pelegas realizaram os atos de 11/07 e 30/08 em apoio à reforma política. O PSTU criticou essa reforma, mas participou dos atos da CUT em sua defesa, assim como o PSOL, como se fosse possível disputá-los. De um lado, o governo acenava com a isca da reforma política e, de outro, o reprimia brutalmente.
            A direita tentou dirigir o movimento inoculando o vírus do nacionalismo, levantando bandeiras contra o governo (contra a corrupção, prisão para os mensaleiros, Fora Dilma), contra a PEC 37 e expulsando a esquerda de alguns atos. Alguns anarquistas afirmaram o absurdo de que esse nacionalismo, inculcado pela direita, era progressista. Em nome dele a direita expulsou a esquerda dos atos, levou a massa a cantar o hino nacional e saudar a bandeira diante da FIESP. 
            A direita e o governo estão unidos na repressão, servem aos mesmos senhores, mas são alas distintas do grande capital. A direita não “engole” a demagogia populista da Frente Popular (Bolsa Família, vínculo como MST, UNE). Não ver esse conflito é colocar viseira, da mesma forma que exagerá-lo. É comum alegar-se o perigo da direita para justificar o apoio ao governo. Em junho, a direita tentou desgastar o governo Dilma com o combate à corrupção, traduzida na denúncia do mensalão, ou seja, do PT. Tinha um objetivo eleitoral, mas jogava também com a carta do impeachment, daí o Fora Dilma. Parte da esquerda agitou o fantasma do golpe militar, quando não havia condições para isso. Mas não se podia ignorar a direita, como fizeram alguns anarquistas. Também afirmaram que “não é hora de dirigir o povo, mas de aprender com ele”, contra censo absurdo num momento em que o movimento estava sendo dirigido por uma ou outra fração da burguesia.
            Para o anarquismo a idéia de direção das massas seria um princípio marxista autoritário. Estas não deveriam ser dirigidas, mas suas ações “potencializadas por meio de uma teoria, estratégia revolucionária e programa reivindicativo”. Admitem assim que as massas não têm teoria, nem estratégia. Então, a vanguarda teria um papel na elaboração da estratégia, no que estamos de acordo. O conceito de direção nada tem de autoritário. Dirigir é propor democraticamente. As decisões da maioria são válidas para todos na luta de classe. Ao propor uma estratégia o anarquismo também se coloca como direção, embora rejeite o termo. A maioria não tem autoridade para impor a sua vontade nas questões individuais: o indivíduo é livre na sua orientação sexual, na  opção religiosa, pensamento, etc. O mesmo não vale na luta de classes. A decisão por uma greve, numa assembléia representativa, é obrigatória para todos. A maioria tem legitimidade de impedir um fura greve de trabalhar. O anarquismo seria contra a soberania da maioria e chamaria isso de autoritarismo? A sua concepção de democracia, seria a liberdade irrestrita do indivíduo?
            A esquerda reformista desencadeou as mobilizações e as manteve dentro dos limites aceitáveis para a burguesia, que cedeu os anéis para preservar os dedos: anulou os aumentos das passagens e, com isso, tirou o tapete dos Fóruns de Luta, que passaram a reivindicar o passe livre, mas não propuseram a estatização do transporte ou qualquer forma de expropriação. Outros setores comprometeram o movimento com métodos de luta vanguardistas.

As reivindicações
            A anulação do aumento das passagens deu início à luta pelo passe livre. Em Porto Alegre, houve a ocupação da Câmara de Vereadores, e o encaminhamento de um projeto ilusório, prevendo que a burguesia custeasse o passe livre: taxação sobre o lucro das empresas e criação de um fundo para investimentos em transportes alternativos. O reformismo acha que a conquista do passe livre é mais fácil que a expropriação das empresas, por isso não propõe a expropriação. A luta por reformas (no caso, o passe livre) seria uma etapa anterior à luta pelo socialismo. Mas não é assim. No atual capitalismo decadente, de ofensiva pela retirada de direitos, as conquistas parciais importantes são cada vez mais difíceis. O capital encara propostas que diminuem os seus lucros como uma espécie de expropriação. As nossas reivindicações devem ter o objetivo principal de denúncia do capitalismo, de preparação para a conquista futura do poder. Por isso, não se devia desvincular a reivindicação de passe livre com a da expropriação das empresas, coisa que o bloco reformista negou-se a fazer, levantando a palavra de ordem demagógica e vazia de “por um transporte 100% público”.
            Para o anarquismo o Estado seria o inimigo principal, não o capital. Este, o capital, teria sido criado pelo Estado. Para o marxismo é o inverso: o capital é que criou o Estado. O capital é o inimigo principal. O anarquismo não concorda com a estatização porque é contra o Estado, mas não propõe qualquer tipo de expropriação das empresas, mesmo pelo povo. Em lugar disso, propõe a utopia liberal de “neutralizar ou desmontar o Estado capitalista”. A sua ojeriza pelo Estado não impediu que, em Porto Alegre, encaminhassem à Câmara um projeto de lei, onde constava a criação de um fundo público para financiar novos meios de transporte alternativos, ou seja, uma proposta de estatização desses futuros meios de transporte. Não propuseram a estatização das atuais empresas para não mexer nos interesses burgueses estabelecidos.
            Hoje, a bandeira do passe livre está sendo abandonada em favor de utopias reformistas: pela desmilitarização da polícia, combate ao militarismo. O reformismo sempre teve a pretensão de democratizar a repressão. O aparato repressivo é o cerne do Estado, não pode ser democratizado ou desmilitarizado. Dever ser destruído. Era também necessário organizar o movimento por local de trabalho e moradia.

A Frente Única e os métodos de luta
            Os Fóruns de Luta são uma frente única para organizar as atividades do movimento, um acordo pelo transporte público. Frente única é um acordo prático para ação de massas, diferente da concepção morenista (PSTU, PSOL), que a entende como uma frente em torno de um programa. A única condição de participação é o respeito ao acordo pontual. Publicamente cada organização fala em nome próprio.  O limite para as diferenças é a fidelidade à luta pelo transporte. Não é possível admitir no movimento quem o reprime: o PT e PSDB, por exemplo. A direita (PSDB) se fez presente nos atos públicos, mas não nos fóruns organizativos, mas os governistas foram admitidos. Recentemente foram expulsos do bloco de lutas, com o nosso apoio. Entretanto, permaneceram setores semi-governistas, que não se identificam publicamente como tais.
            Também são incompatíveis com o movimento métodos destrutivos, como é o caso dos ataques “aos símbolos da burguesia”. Não se trata da raiva compreensível de indivíduos agredidos pela repressão, mas uma tática calculada de quem acredita estar atingindo “o centro do poder”. O verdadeiro vandalismo é o da burguesia: destruição de favelas para servir ao capital imobiliário, destruição da Amazônia para servir às empreiteiras, etc. Mas a destruição dos “símbolos da burguesia” não lhe faz cócegas (método inconsequente, não ataca o poder, muito eficaz para indispor a população com o movimento). Entretanto, violenta é a polícia que ataca as manifestações, mesmo pacíficas.

            A massa não é pacifista, tanto que se mobilizou contra a repressão. Apoiou a resistência à repressão e repudiou o vanguardismo. As televisões tiraram proveito desses fatos para incentivar o pacifismo. Ninguém propôs atos de autodefesa, absolutamente  necessários contra a repressão, o que demonstra que a esquerda ou é pacifista ou inconsequente  A resistência deve derivar da lógica da mobilização e estar comprometida com ela. Não foi o caso. Os vanguardistas não consultaram ninguém. A polícia e os fascistas participavam do quebra-quebra. A burguesia precisava dos vanguardistas para justificar a repressão, indispor a população com o movimento e esvaziá-lo, como de fato esta acontecendo. Não igualamos essas atitudes ao vandalismo da burguesia. Defendemos esses companheiros da repressão, o arquivamento dos processos que sofrem, a liberdade dos presos políticos. A burguesia não tem autoridade para puni-los. Somos pela unidade do movimento. Mas foi essa inconsequência a responsável pela quebra da unidade. A massa desorganizada não pode contrapor-se a isso e abandonou a luta.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

FORA AS GARRAS IMPERIALISTAS DA SÍRIA


         O imperialismo ameaça bombardear a Síria, supostamente como castigo ao uso de armas químicas pelo regime. A verdade passa longe desse discurso. Todas as evidências apontam para a culpa do próprio imperialismo através dos chamados rebeldes, a seu serviço. Já é uma tradição o uso de provocações e pretextos para justificar as suas invasões. A Síria é a “bola da vez” na luta imperialista pelo domínio do mundo. Atiram na Síria mirando no Irã, Rússia e China. Obama anuncia que o bombardeio é apenas um “castigo moral” ao regime, que não visa a sua derrubada. A verdade é que não existem condições políticas para uma guerra de ocupação imediata. Além da oposição limitada da Rússia, existe o repúdio do povo americano e europeu a mais essa aventura. Não por acaso, o parlamento britânico votou contra a sua participação na guerra. O ataque anunciado visa impedir o avanço militar do governo Assad, debilitá-lo e preparar a vitória futura dos “rebeldes”.
        O proletariado internacional deve defender incondicionalmente a Síria, fiel às suas melhores tradições de defesa das nações oprimidas, independentemente das suas direções, ou seja, apesar do ditador Bashar Al Assad. Não se trata de saber quem é pessoalmente mais cruel. Não existe termo de comparação entre o poder de Obama, Cameron e Holande, de um lado, e o de Assad, do outro. O imperialismo é sempre o inimigo principal dos povos, centenas de vezes mais nefasto. Vejam o recente exemplo da Líbia. Acusaram Kadafi de genocídio por alegadamente ter matado cinco mil pessoas. Em represália, os bombardeios “humanitários” da OTAN assassinaram duzentos mil líbios. Hoje, as multinacionais petroleiras enchem os bolsos com o petróleo líbio, a verdadeira razão de tamanho “humanitarismo”.

A capitulação da esquerda
        Uma parte da chamada esquerda virou um braço do imperialismo. Exemplo disso é a política do PSTU (LIT) e CST (UIT) para a Síria. Dizem que existe “uma grandiosa revolução em curso” na Síria, que é preciso apoiar o povo sírio contra a ditadura de Assad. Esse apoio ao “povo sírio” se traduz no apoio aos “rebeldes” e à sua direção, a Coalizão Nacional Síria (CNS), e a seu braço armado, o Exército Sírio Livre (ESL). É uma completa fantasia a propalada existência de um movimento “rebelde” do povo sírio, independente dessa direção, armada e financiada pelo imperialismo através da Turquia, Arábia Saudita e Catar. Não existe esse suposto movimento revolucionário sírio, nem o movimento dirigido pelo CNS pode ser disputado.
        Quando o PSTU e a CST pedem “armas para os rebeldes” estão pedindo armas do imperialismo para o seu braço armado na Síria, o ESL. Mais de uma vez, pediram a intervenção externa, acusando o ocidente de “omissão” diante dos massacres promovidos pelo regime. Hoje, a sua bandeira de “não à intervenção imperialista” deve ser entendida como uma cortina de fumaça para encobrir o seu verdadeiro apoio a essa intervenção, expresso na palavra de ordem “Fora Bashar Al Assad”, porque concretamente o regime sírio somente pode ser derrubado, na atual conjuntura, pela intervenção estrangeira. A derrubada de Assad é uma tarefa dos trabalhadores, não pode ser delegada ao imperialismo.
        Existem outros grupos que cometem erros graves na questão Síria. Uns defendem uma espécie de neutralidade na guerra civil e outros prestam apoio político ao regime.

A neutralidade
         Os grupos “neutralistas” alegam que como se tratam de dois setores burgueses, deveríamos defender uma alternativa independente dos trabalhadores, a revolução socialista, não apoiando nem o regime nem os “rebeldes”. Efetivamente, em qualquer situação, devemos atuar de forma independente de todas as frações burguesas, visando o poder dos trabalhadores. Acontece que nem sempre estamos em condições de lutar pelo poder. No caso sírio, existe uma guerra civil entre um governo de uma semi-colônia e um exército mercenário armado pelo imperialismo. A situação concreta é: o que fazer na guerra entre essas duas forças burguesas, enquanto não estivermos em condições de lutar pelo nosso próprio poder? Nesse caso concreto, a vitória do governo, mesmo sendo uma ditadura, de uma nação oprimida sobre os prepostos do imperialismo é o mal menor. Essa neutralidade em nome da revolução proletária é uma política doutrinária que esconde uma capitulação ao imperialismo.
        Existe também outra variante dessa política neutralista. Esta afirma que se trata de uma luta inter-imperialista, porque os dois lados, o regime e os “rebeldes”, seriam apoiados pelo imperialismo, o primeiro, pelo imperialismo americano e europeu, e o segundo, pelo “imperialismo” russo e chinês. A ser assim, de fato, não deveríamos apoiar um imperialismo contra outro. Entretanto, essa análise tem dois erros graves. Primeiro, é duvidoso considerar a Rússia e a China como imperialistas. Segundo, mesmo considerando-as como tais, a política correta também não deveria ser de neutralidade.
        Rússia e China seriam, nessa hipótese, imperialistas de quinta categoria, comparadas ao poder dos imperialismos hegemônicos. Estão dando à Síria um apoio mesquinho. Não enfrentarão o ataque da OTAN, da mesma forma que se omitiram na Líbia. Nesse caso, o apoio da Rússia à Síria é algo secundário para a definição do caráter da guerra, ou seja, a Síria não é um regime preposto da Rússia como o é a Turquia dos Estados Unidos, por exemplo. Nessas condições, a luta da Síria contra os Estados Unidos, França, Israel, Turquia, Arábia Saudita, Catar, “rebeldes”, etc, continua sendo uma luta de independência nacional entre uma nação oprimida e o imperialismo, situação em que também não cabe neutralidade.

A defesa filo-castrista da Síria
        Existem alguns grupos “trotskistas” que confundem a defesa da Síria com o apoio político ao regime de Bashar Al Assad, embora neguem esse apoio que consiste no “embelezamento” do regime e em atribuir-lhe um caráter anti-imperialista. Usam eufemismos do tipo “todo apoio aos heróicos lutadores anti-imperialistas”, como se houvessem “lutadores anti-imperialistas” independentes do regime, como se não fossem o próprio regime. Mais do que o apoio a uma nação oprimida, apóiam um regime pretensamente nacionalista e anti-imperialista, coisa que o regime sírio não é ou há muito deixou de ser. Exigem armas do Irã, Rússia, China e Venezuela, o que é uma ilusão que não podemos alimentar. Devemos denunciar a omissão e covardia desses países, ao invés de fazer-lhes exigências vazias.
        Esses grupos defendem também uma Frente Única com o regime de Assad. Isso é admissível em princípio, mas na prática uma fantasia. Não existe partido marxista na Síria. Frente Única é um acordo prático entre forças políticas, por exemplo, entre um partido e um governo para a defesa do país. Nada disso é possível na Síria. Essa política fantasiosa e capituladora esconde uma omissão diante dos verdadeiros métodos de defesa da Síria. A sua política é semelhante à do castrismo.

Defender a Síria com os métodos do proletariado
        O proletariado internacional deve defender as semi-colônias agredidas pelo imperialismo com os seus próprios métodos e de forma independente: greves, agitação, propaganda, boicote, armamento próprio. Defender uma semi-colônia não implica apoiar politicamente a sua direção burguesa. A luta política interna continua inalterada. Não se abre mão de uma greve, nem da denúncia do regime, em nome da defesa nacional. A defesa da nação oprimida é incondicional, não depende de o regime ser ou não nacionalista.

            Infelizmente o proletariado sírio não conta com qualquer organização independente. Também não existem grupos marxistas na Síria. É preciso criar um movimento internacional em sua defesa. Os pequenos grupos marxistas, sindicatos combativos e outras organizações têm uma grande tarefa de agitação e propaganda contra a anunciada agressão imperialista, de denúncia da sua farsa humanitária, de esclarecimento das suas verdadeiras razões. A defesa da Síria é incompatível com qualquer apoio aos “rebeldes” sírios, agentes da intervenção estrangeira. Devemos fazer da defesa da Síria um instrumento de conscientização anti-imperialista. Todo trabalhador deve saber que o imperialismo é uma ave de rapina, que é preciso livrar-se das suas garras (as mesmas que extorquem 50% do orçamento do nosso país), que não existe futuro sob o seu domínio, que a agressão a uma nação oprimida equivale a agredir todos os trabalhadores do mundo.




sexta-feira, 19 de julho de 2013

NÃO HAVERÁ PASSE LIVRE SEM EXPROPRIAÇÃO


        Predomina no Bloco de Lutas uma visão reformista sobre o passe livre. O reformismo consiste em desvincular a luta pelo passe livre da luta pela expropriação das empresas de transporte. Seria uma luta em duas etapas, a primeira etapa seria pelo passe livre imediato e a segunda etapa, a expropriação das empresas, para um futuro indeterminado. Essa proposta se caracteriza por uma tentativa de gerir o capitalismo através do controle das empresas privadas, dos seus lucros e da sua administração. Contrariamente, entendemos que sem expropriação é impossível que os custos do passe livre deixem de recair sobre o povo. A pretensão de controle sobre as empresas privadas, no atual estágio do movimento, é uma ilusão. A Prefeitura e a Câmara de Vereadores são agências do capital. Mesmo na hipótese, mais do que improvável, que seja aprovado o passe livre sem isenções fiscais e novas tarifas - com ônus para as empresas e com taxação do grande capital - ainda assim a burguesia teria mil formas de burlar essa decisão porque controla as rédeas da economia. É por isso que as bandeiras de passe livre e de expropriação das empresas privadas devem ser levantadas lado a lado, não em etapas distintas.
        Ao deixarmos claro que não aceitamos a transferência dos custos do passe livre para os trabalhadores, desmascaramos as manobras da burguesia que não pode oferecer outra coisa. Ao mostrarmos para o povo as possíveis fontes de financiamento – fim das isenções fiscais, taxação sobre o capital, etc. – mostramos o cinismo da burguesia. O problema é que o reformismo não encara essas propostas apenas como uma forma de desmascaramento da classe dominante, como forma de justificar a necessidade de expropriação das empresas. Entende que isso é efetivamente viável e compatível com o transporte privado, sob pressão popular. A conquista do passe livre seria viável isoladamente, independentemente da expropriação das empresas. Daí porque separa uma luta da outra em duas etapas distintas. A pressão popular num momento revolucionário pode impor o seu controle sobre a burguesia, mas por um curto período. Uma situação de duplo poder é efêmera por natureza, deve terminar rapidamente com a vitória de uma classe sobre a outra. Infelizmente ainda estamos longe de tal situação. É uma ilusão reformista achar que pode controlar a burguesia em qualquer momento. As propostas de controle público das empresas privadas – “retomada pelo poder público (Município) do controle sobre o transporte público, retirando das mãos das empresas privadas a decisão sobre a quantidade de ônibus, horários e linhas; retomar para o poder público o controle sobre a arrecadação financeira das tarifas de ônibus; democratização do COMTU”, etc. – são exemplos acabados de ilusão reformista.
        O P.T., no interior do Bloco de Lutas, finge defender o passe livre, enquanto sua bancada na Câmara Municipal propõe um projeto apenas de controle da bilhetagem: “todo o sistema de bilhetagem passa a ser controlado pelo poder público com total transparência”. O PSTU, PSOL e demais grupos, estão unidos em torno da proposta de gestão e controle das empresas privadas. Ironicamente, aqueles que são contra a estatização do transporte (FAG, por exemplo) não se opõem à estatização reformista apenas da gestão do transporte. São contra a estatização da propriedade, mas a favor da estatização da sua gestão.
        A luta pelo passe livre e pela expropriação das empresas privadas é uma e mesma luta. A estatização do transporte privado ainda não é a solução definitiva, porque o Estado continuará controlado pelo capital. Seria apenas um pequeno passo no sentido da estatização total da economia sob controle dos Conselhos Populares.

- transporte não é mercadoria, mas um direito do povo
- passe livre já sem isenção fiscal aos empresários
- fim de toda isenção fiscal ao capital
- não pagamento da dívida pública
- expropriação das empresas privadas, sob controle dos trabalhadores

- o capitalismo é incompatível com serviços públicos de qualidade