domingo, 2 de novembro de 2014

A NOVA GUERRA FRIA DIVIDE A ESQUERDA E A DIREITA


        Os Estados Unidos entraram em decadência, embora ainda seja o principal ator da geopolítica internacional. A sua economia decresce relativamente, o seu papel na produção diminui e está afogado em dívidas. Mantém ainda uma preponderância parasitária no mercado financeiro, alicerçado no monopólio do dólar como moeda mundial, e uma grande superioridade militar. Será um processo longo e traumático. Surgem novos postulantes à hegemonia mundial: a China, coadjuvada pela Rússia e, em menor medida, pelos BRICs, pela Organização de Cooperação de Xangai e pela Aliança Euro Asiática. O PIB da China acaba de superar o dos EUA, embora ainda não lhe equivalha em tecnologia, produtividade do trabalho e muito menos no terreno militar. Especula-se sobre a criação de novas moedas em substituição ao dólar.
        Com base na sua superioridade militar, os EUA tenta abortar na casca o surgimento de novos concorrentes. Em geral, os conflitos atuais têm esse pano de fundo (Afeganistão, Geórgia, Venezuela, Iraque, Irã, Líbia, Síria e Ucrânia), ou seja, são uma tentativa de cerco militar e econômico a esses países, principalmente, estrangulando o fornecimento de matérias primas, sabotando os gasodutos e oleodutos dos concorrentes. Por exemplo, o Estado Islâmico serve a muitos objetivos: à deposição de Al Saad, à divisão do Iraque entre sunitas, xiitas e curdos, impedindo a passagem do gasoduto Irã, Iraque e Síria.   
        O enfraquecimento imperialista tem provocado um limitado movimento centrífugo de algumas das suas semi-colônias, que oscilam entre um e outro desses dois pólos (Venezuela, Bolívia, Equador, Brasil, Argentina, Irã). Os Estados Unidos expandem a OTAN para os países da antiga URSS, cercando a Rússia. O último lance foi o golpe de Estado patrocinado pela Cia na Ucrânia, provocando a Rússia, ao posicionar os seus mísseis às portas de Moscou, e afastando dela a Europa, que é o seu maior parceiro comercial. Alguns analistas caracterizam esses conflitos como o começo de uma nova guerra fria. Esse cerco à Rússia e à China tem provocado também um efeito inverso, acelerando e aprofundando o bloco comercial e político entre os dois. Rússia e China acabam de firmar um vultoso acordo comercial e planejam construir novas “rotas da seda”, por terra e por mar, ligando a China, Índia, Ásia central, Rússia e Europa.

O Brasil na nova guerra fria

        O bloco dirigido pelo PT já não se alinha de forma tão automática aos Estados Unidos e passa a fazer parte dos BRICs. Essa política desagrada ao imperialismo dominante e parte da burguesia mais alinhada ao mesmo. Outra parte da grande burguesia mantém o apoio à Dilma. A candidatura de Aécio Neves representa a subserviência total aos Estados Unidos, contra a aproximação ao bloco China/Rússia. Essas diferenças não são qualitativas e não justifica o apoio a Dilma. Os EUA tentam enquadrar as “ovelhas rebeldes”. Em alguns casos, procuram abertamente desestabilizar os seus governos, como na Venezuela.
        A aproximação do PT e aliados aos BRICs, não significa rompimento com o imperialismo, embora seja para este inaceitável, e não representa uma política externa mais progressista, como supõe parte da esquerda, que caracteriza o governo erroneamente como de centro esquerda. O governo Dilma difere de governos tipo o do Peru e Colômbia, e um possível governo Aécio, por um maior populismo e um tímido distanciamento dos EUA, mas também é pró-imperialista e praticante do liberalismo econômico. A aproximação ao bloco Rússia/China não significa anti-imperialismo porque não representa rompimento com os EUA/Europa e esses países também são candidatos à condição de imperialistas, e em alguns casos já agem como tais (Ucrânia, por exemplo).

A esquerda e a nova guerra fria

        O conflito entre Rússia e Estados Unidos em torno da Ucrânia é um conflito inter-imperialista. Coloca-se na Ucrânia a luta dos trabalhadores pela independência de classe, contra o conjunto do capital internacional e seus agentes americanos ou russos. Isso não significa ignorar a realidade e as contradições inter-imperialistas. Na prática, o proletariado deve enfrentar o inimigo mais perigoso de cada vez. O inimigo mais agressivo são os EUA, que patrocina as bandas fascistas de Kiev. Essa política prática, que admite acordos pontuais, não justifica o apoio à Rússia, como o mal menor. A proposta de frente única permanente com a Rússia é uma capitulação. O proletariado da Criméia, Donetsk e Lugansk deve manter total independência da Rússia.  A esquerda capitula a um ou outro imperialismo. Uma parte coloca-se à reboque do imperialismo hegemônico EUA/Europa (morenistas) e outra parte (estalinistas e “trotskistas” afins ao estalinismo) à reboque dos pretendentes China/Rússia, tomando a sua oposição aos EUA como progressista.
        Essa capitulação no plano externo se transfere para o plano interno. Parte da esquerda declara o voto nulo (PSTU) e outra parte o voto em Dilma (PSOL e grupos menores). O PSTU, que costumava alinhar-se à Frente Popular, agora chama o voto nulo. Isso é coerente com a sua capitulação ao imperialismo EUA/Europa (Líbia, Síria, Ucrânia), onde deu apoio a agressão imperialista a esses regimes. Pelo mesmo motivo, não cairia bem votar em Dilma.  Em sentido inverso, parte da esquerda que costumava propor o voto nulo, agora vai de Dilma. Isso está de acordo com o seu apoio à Rússia na Ucrânia, por exemplo. A tomam como progressista pelo seu alinhamento aos BRICs. Alegam que não estão optando pelo mal menor, mas combatendo na prática o inimigo mais perigoso. Mas as eleições não são uma questão prática, mas uma luta de programas. Portanto, o voto em Dilma é sim um voto num suposto mal menor, que não existe. Genericamente, Aécio não é o inimigo principal. Programaticamente, ambos se equivalem. As diferenças entre eles se verão ou não na prática, o que não justifica o voto em Dilma.  A política da esquerda reflete essa nova guerra fria, onde ninguém preserva a independência de classe. Apenas o voto nulo corresponde aos interesses do proletariado, de aposta na sua organização e luta pelo socialismo.