O
MRT (ex-LER e PTS, na Argentina) tem criticado a proposta de eleições gerais do
PSTU, opondo à mesma uma Assembleia Constituinte Soberana, proposta para as
mais diversas situações. Deduz-se, portanto, que essa proposta teria um mérito
em si mesma, independentemente de conjuntura. Essa proposta também leva água ao
moinho do impeachment e teoricamente é uma defesa da revolução democrática. A
presente crítica toma como base o seu texto “A Assembleia Constituinte dentro
do programa transicional dos revolucionários”, onde se lê: “Chama a atenção a
dificuldade que a esquerda, como o PSTU e o PSOL, tem para entender a
importância das consignas radicais no combate ao podre regime democrático
burguês (como a Assembleia Constituinte), relegando-as a um completo
esquecimento”.
A revolução
democrática do MRT
A Assembleia Constituinte proposta pelo
MRT é uma defesa da revolução democrática. Defende a “democracia radical”, o
questionamento apenas do “regime”, pretendendo “mudar as regras do jogo”. As
consignas democrático radicais teriam uma importância decisiva na “perfuração
da democracia dos ricos”. “A consequência do abandono dessa arma do arsenal
marxista no seio da esquerda é debilitar ou mesmo negar a luta contra os regimes políticos burgueses, e a
consequente adaptação a eles” (negrito nosso). O seu eixo é a luta contra o
regime, porque “as massas vêem a necessidade de mudar o regime político, (mas)
ainda não concordam com uma revolução”. Essa é a teoria revisionista de
revolução de regime. Segundo o MRT, “podemos dizer que é preciso uma revolução
que derrube o capitalismo. Mas como esta não está na ordem do dia, a luta seria
por “mudar o regime”, instituir uma democracia radical, imposta pelo “combate”,
ou seja, pela pressão das massas. Separa claramente a fase da luta pela
“democracia radical” daquela pela revolução socialista: no caso dessas
consignas se “imporem pelo combate, a classe operária estaria em melhores
condições para lutar por outro sistema político que exproprie os
expropriadores”. Propõe, portanto, a revolução por etapas, primeiro a revolução
democrática, depois a revolução socialista, onde o “combate” substitui a
insurreição.
Segundo o autor, “para Trotsky,
portanto, as consignas democráticas radicais possuem uma articulação
estratégica indissolúvel com a teoria da revolução permanente”. Exatamente.
Trotsky muitas vezes defendeu as propostas da democracia burguesa (China,
Espanha, França), mas nunca as defendeu como etapa anterior à revolução
proletária e nunca as desvinculou das bandeiras exclusivas do proletariado
(armamento, milícias, controle operário da produção, comitês de fábrica, luta
pelo poder). A teoria da revolução permanente unifica a luta pela democracia
com a luta pelo socialismo através da ditadura do proletariado. Ao contrário, a
proposta de Constituinte do MRT não seria convocada por um governo proletário.
Pretende fazer “uma experiência com os próprios limites da democracia dos
ricos”.
Para Trotsky, a defesa das bandeiras
democráticas se explica por aquilo que têm de progressistas e exclusivamente
quando servirem para avançar a consciência do proletariado. Não visam instaurar
um regime democrático radical, mas preparar a revolução socialista. Na época de
Lênin e Trotsky, em muitos países atrasados, não em todos, estava na ordem do
dia a revolução democrática: independência nacional, expropriação do latifúndio
semi-feudal, derrubada das monarquias e instauração da república. Hoje,
permanece a luta contra o imperialismo. O capital financeiro domina a economia
mundial, inclusive, nos países mais atrasados. Não existe mais latifúndio
semi-feudal. Algumas reivindicações democráticas mantém importância, mas as
reivindicações transitórias ou tipicamente socialistas passaram a preponderar.
Não existe mais revolução democrática e muito menos separada da revolução
socialista.
O uso indevido dos
clássicos
No seu livro O Estado e a Revolução,
Lênin teria “resgatado”, com base nas lições da Comuna de Paris (1871), segundo
o MRT, as bandeiras democrático radicais que “significavam uma passagem da
democracia burguesa para a democracia dos trabalhadores”. Não é de Lênin a concepção
de “passagem” orgânica da democracia burguesa para a democracia do proletariado,
mas de Bernstein, para quem o socialismo seria a consequência do
desenvolvimento natural da democracia burguesa. Na Comuna, a democracia dos
trabalhadores não foi, em primeiro lugar, a consequência das medidas
“democrático radicais”. As medidas democrático radicais da Comuna foram a
consequência da insurreição proletária vitoriosa.
A experiência da Comuna não avaliza a
proposta de Constituinte, como pretende o MRT: “A Comuna foi constituída por
conselheiros municipais eleitos pelo sufrágio universal nos diferentes bairros
de Paris. Eram responsáveis e a todo tempo revogáveis”. “É esse, justamente, um
caso de transformação de quantidade em qualidade: a democracia realizada tão
plenamente e tão metodicamente quanto é possível sonhar-se tornou-se proletária
de burguesa que era” (Lênin - O Estado e a Revolução). Por transformação de
quantidade em qualidade se entende uma ruptura, cuja causa primeira, é a
insurreição, e a democracia radical a consequência. Lênin inicia esse livro
falando daqueles que, após a morte dos grandes revolucionários, os canonizam,
“para consolo das classes oprimidas”, enquanto “castram a substância do seu
ensinamento revolucionário”. O MRT, como a maioria da esquerda, castra a “substância”
do marxismo: somente a insurreição proletária de armas na mão emancipa a
sociedade do capitalismo. Não é verdade que as “medidas democráticas simples e
evidentes por si mesmas, servem de ponte que conduz do capitalismo ao
socialismo”. Não existe tal ponte. Entre o capitalismo e o socialismo permeia
um abismo, somente transposto pela insurreição proletária.
Trotsky não se utilizou das bandeiras
democráticas “para dinamizar a tática de frente única operária contra a
ofensiva dos capitalistas e ‘perfurar’ as instituições da democracia”. Para
ele, as consignas democráticas visavam retirar as massas atrasadas da
influência dos partidos burgueses. Não pretendia “dinamizar” a frente única,
mas desmascarar a frente única na forma de frente popular, que traía essas
mesmas bandeiras. Também não pretendia “perfurar as instituições da
democracia”, mas destruí-las, vinculando as reivindicações democráticas com o
armamento do proletariado.
A proposta de
Assembleia Constituinte
Essa proposta depende de um componente
histórico e outro conjuntural. O método marxista analisa a história e a
realidade imediata. A Assembleia Constituinte é uma tarefa tradicional da
revolução burguesa, com a queda das monarquias e diante da ausência de tradição
democrática anterior. Também se pode reivindicá-la quando da queda de uma
ditadura militar, por exemplo. Em qualquer situação, depende da análise
concreta da conjuntura. Não há uma fórmula geral que a justifique, independentemente
do seu papel para a luta de classes: se serve para elevar a consciência do
proletariado, mobilizá-lo e retirá-lo da influência dos partidos burgueses.
Os bolcheviques propuseram a
Constituinte num momento revolucionário, anterior à queda da monarquia. Quando
o partido liberal passou a defendê-la, Lênin considerou que a sua proposta de
Constituinte visava apenas chegar a um acordo com a monarquia. Por esse motivo,
colocou em primeiro plano a defesa de um Governo Provisório Revolucionário,
saído de uma insurreição proletária: “Para estabelecer uma nova ordem de coisas
que expressem efetivamente a vontade do povo, não basta chamar Constituinte à
Assembleia representativa. É preciso que dita Assembleia tenha poder e força
para constituir... É de uma necessidade imperiosa indicar as condições em que a
Assembleia Constituinte nominal se pode converter em Assembleia Constituinte
efetiva, já que a burguesia liberal, personificada no partido monárquico
constitucional, falseia deliberadamente... a palavra de ordem de Assembléia
Constituinte de todo o povo, reduzindo-a a uma frase vazia” (Lênin - A questão
da Constituinte).
Trotsky também levantou essa bandeira
para a China da década de 1920, que, diferentemente da Rússia, passava por um
período de derrotas. Como palavra de ordem de propaganda não exigia as mesmas
pré-condições, as quais se colocariam na ordem do dia no momento oportuno.
Rússia e China eram países sem tradição parlamentar.
Hoje, a sociedade conta com uma secular
tradição de parlamentarismo, que já demonstrou a sua falência histórica. Ao
contrário do que afirma o MRT, essa proposta não se justifica mais em nome de ilusões
parlamentares. Para a maioria, estas já não existem. Não é verdade que essas
palavras de ordem da democracia radical devam ser privilegiadas em relação às
reivindicações próprias do proletariado (específicas, transitórias e
abertamente socialistas), de tal maneira que suponha a necessidade de uma fase
democrática, como pretende o MRT. Não estamos mais na fase da revolução democrática.
Há mais de ano vimos crescer o golpe institucional.
Os trabalhadores estão na defensiva. A burguesia ataca em todos os campos.
Somente essa direita está em condições e na iminência de derrubar o governo.
Neste momento, qualquer palavra de ordem institucional para a agitação imediata,
mesmo que aparentemente radical (Eleições Gerais, Constituinte), mas sem
condições de ser efetivada pelos trabalhadores, fortalece as pretensões
golpistas dessa direita.
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