domingo, 14 de abril de 2013

A “REVOLUÇÃO DEMOCRÁTICA” DO GENERAL BIGNONE

Completam-se trinta anos do fim da sanguinária ditadura argentina dos generais Videla, Galtiere, Reynaldo Bignone (este, o General democrático, segundo Moreno) e do almirante Emilio Massera (o amigo do Papa), entre outros. Essa ditadura foi responsável pela morte e tortura de mais de trinta mil pessoas, segundo ela, “terroristas”, mas na verdade, guerrilheiros urbanos, socialistas, democratas, membros da Igreja e pessoas comuns. Esses crimes foram perdoados pelas leis conhecidas como Ponto Final e Obediência Devida, depois revogadas no governo Néstor Kirchner. Desde então, esses criminosos militares têm sido julgados e condenados pela justiça argentina.
         Em 12 de março último, o Tribunal Oral Federal de San Martin emitiu uma sentença de prisão perpétua contra o último ditador, Gal. Reynaldo Bignone e outros acusados por crimes de lesa-humanidade (torturas, execuções, rapto de bebês), cometidos contra 20 vítimas, no centro de extermínio Campo de Mayo. Bignone, que dirigiu a Argentina após a guerra das Malvinas até a redemocratização, de 1982 a 1983, já havia sido condenado em outros processos. Essa substituição do Gal. Leopoldo Galtiere pelo Gal. Reynaldo Bignone, Nahuel Moreno, dirigente da LIT, considerou “Uma Revolução Democrática Triunfante”, título do seu livro fruto de um informe apresentado ao Comitê Executivo Internacional da LIT, em 1983. Para desmascarar essa farsa, esses trinta anos não passaram em vão.

Um exemplo morenista de Revolução Democrática
         Nesse livro, Moreno apresenta o regime de Bignone como o melhor exemplo de “revolução democrática”. Compara esse regime com outros, também oriundos de quedas de ditaduras e de todos o considera a única “revolução democrática triunfante” na Argentina. Vejamos as suas palavras: “Este informe parte de um pressuposto básico: que a revolução democrática argentina já triunfou com a caída de Galtiere e a assunção ao mando por Bignone”. E diz mais: “Muitos companheiros se perguntarão a razão pela qual demos o nome de revolução a um acontecimento que aparentemente se parece ao ocorrido repetidas vezes na história argentina dos últimos cinqüenta anos: a passagem de um regime não votado a outro que, sim, o é”. A isso o próprio Moreno responde: “O atual processo é muito distinto ao posterior ao Cordobaço. Não é produto de uma dosificação ou condicionamento do governo militar, senão de um fenômeno abrupto, incontrolável, que se deu de repente sem que haja sido planejado nem desejado por nenhum setor da classe dominante. Ninguém contava, dentro do mundo oficial burguês ou burocrático, que no curto lapso de três meses passaríamos do mais terrível dos regimes contrarevolucionários conhecidos no país a um regime onde campearão mais ou menos todas as liberdades democráticas formais e de um governo forte a um que cai sozinho. Da falta absoluta das mínimas liberdades, passamos a liberdades democráticas muito amplas, quase absolutas ...”.
         Essa transição do regime pode não ter sido “planejada”, mas foi perfeitamente controlada pela ditadura, que nomeou Bignone em substituição à Galtiere. Para Moreno, foi uma revolução democrática “levada à cabo pelo povo trabalhador e não pela burguesia. Não se conhece nenhum regime contrarevolucionário capitalista que tenha sido derrubado pela ação da burguesia, que saibamos”. Isso é uma inverdade completa. Com a derrota da Argentina para a Inglaterra nas Malvinas, os trabalhadores argentinos entraram em ascenso, mas não é verdade que tenham derrubado a ditadura. Ao contrário, esta tratou de reciclar-se exatamente para que nada mude no fundamental. Repetiu-se o esquema clássico do fim da maioria das ditaduras: uma negociação das elites para substituir o regime, sob seu estrito controle, antes que o povo o faça. Somente Moreno não sabe disso. Chama essa substituição controlada da ditadura de “Revolução Democrática Triunfante”. Segundo ele, “todo triunfo em tempo de revolução democrática, é um triunfo do povo trabalhador e jamais da burguesia”. Para ele, o triunfo da “revolução democrática” pode se dar sob a direção de um general ditador e sustentada por partidos burgueses. Para o marxismo, uma revolução é uma luta entre classes antagônicas. Por esse motivo, o fato de a “revolução argentina” ter levado ao poder partidos burgueses é a prova cabal da sua derrota. Moreno chama a derrota de vitória.

Revolução Permanente e Revolução Democrática
         Moreno apelida de revolução democrática qualquer substituição de um regime ditatorial. Segundo ele: “O surgimento de um novo tipo de regime contrarevolucionário de signo burguês, como os fascistas e semi-fascistas, e a perda de peso do feudalismo nos países atrasados, levou ao surgimento de um novo tipo de revolução democrática, a anti-capitalista e anti-imperialista, não a anti-feudal”. Isso é completamente falso. A existência de ditaduras burguesas não era novidade na época de Lênin, diferente do que afirma, e Trotsky conviveu com a experiência do fascismo, mas nunca considerou a queda de ditaduras revoluções democráticas. O marxismo define como revolução democrática a derrubada de monarquias semi-feudais, coisa que não existe mais. Foi o caso das três revoluções russas: 1905, fevereiro e outubro de 1917.
         A derrubada de uma ditadura nada tem a ver com revolução democrática. A conquista de liberdades democráticas, dentro do capitalismo, não é uma revolução, mas uma reforma democrática, necessária e preparatória da revolução socialista. Os trabalhadores preferem uma democracia burguesa (que também é uma ditadura) a um regime ditatorial, por isso lutam por maiores liberdades democráticas. Mas a luta contra uma ditadura não é uma luta por liberdades democráticas, mas pelo poder entre duas classes antagônicas. O proletariado deve lutar exclusivamente pelo seu governo, disputando com a burguesia o poder do país. A burguesia, que sustenta a ditadura, é obrigada a substituí-la por um regime democrático. Em geral, faz um acordo com ela para uma transição pacífica. Nada muda de fundamental para a mesma.
         A substituição de uma ditadura pela burguesia, não pode ser considerada uma vitória dos trabalhadores, mesmo que represente maiores liberdades democráticas, porque o que está em jogo não é a ampliação dessas liberdades, mas o poder de uma classe ou de outra. Desse ponto de vista, a substituição de uma ditadura por um regime democrático burguês é uma derrota do proletariado, porque os trabalhadores perderam para a burguesia a luta pelo poder. Estes lutam por liberdades democráticas, mas jamais por um regime burguês, que são coisas completamente distintas. Trotsky chama de “derrota democrática da revolução proletária” o que Moreno denomina de “revolução democrática triunfante”.
         Lênin considerou a Revolução de Fevereiro/17 como uma revolução democrática – embora mutilada – apenas de fevereiro a outubro de 1917. Após a Revolução de Outubro, esta passou a ser a verdadeira revolução democrática, porque somente ela destruiu os restos do feudalismo. Essa revolução foi a confirmação da teoria da Revolução Permanente. Moreno, a partir da revolução cubana, começou a questionar todos os princípios da Revolução Permanente: a direção do proletariado e a necessidade do partido revolucionário. Sobre isso, afirma: “Entretanto, já desde o triunfo da revolução cubana, nós havíamos teorizado sobre a situação revolucionária, opinando que as quatro condições para o triunfo da revolução proletária, colocadas por Trotsky, se haviam revelado equivocadas na revolução chinesa, cubana e nas outras revoluções coloniais, porque não se haviam dado nem sob a hegemonia classista do proletariado, nem tendo à sua frente o partido marxista revolucionário”. Isso é parcialmente verdadeiro, portanto, completamente falso. É verdade que não havia partido revolucionário, mas não é verdade a ausência de hegemonia do proletariado ou que a mesma tenha sido do campesinato. A hegemonia do proletariado se deu distorcidamente através da influência da revolução russa sobre os partidos comunistas burocráticos. Não fosse esse fato, jamais a burguesia teria sido expropriada na China e em Cuba.
         O Programa de Transição previu, como hipótese improvável, revoluções que expropriem a burguesia dirigidas por direções pequeno burguesas ou estalinistas, tal como aconteceu nesses países. Dessa experiência, devemos tirar a conclusão, pela negativa, da absoluta necessidade do partido revolucionário, oposta a de Moreno. Este transformou a exceção em regra. Segundo ele, todas as revoluções deveriam passar por essa fase democrática, onde não haveria hegemonia do proletariado e a direção caberia a partidos pequeno burgueses, estalinistas ou, até mesmo, burgueses. Vejamos: “Uma característica de todas as revoluções democráticas não somente é a mudança de regime, senão o fato de que quem sustenta o governo “revolucionário” são partidos burgueses ou pequeno burgueses que controlam o movimento de massas”.  E no caso da “revolução democrática triunfante” do General Bignone, foi a Multipartidária, frente dos grandes partidos  burgueses argentinos, o peronismo e o radicalismo. Nas palavras de Moreno: “Como conseqüência dessa revolução triunfante a Multipartidária é o verdadeiro sustentáculo do governo”.
         Uma revolução, por ser uma luta pelo poder entre classes, somente pode ser vitoriosa através de uma insurreição armada. Moreno contraria também esse princípio básico do marxismo. A sua revolução democrática dispensa insurreição. Segundo ele: “Para nós a crise revolucionária e o estalo revolucionário podem não ser sangrentos. Insistimos que uma revolução é quando se logra um objetivo histórico, concretamente a derrota de um regime contrarevolucionário e o surgimento de um novo regime democrático”. Assim, amesquinhou tanto o conceito de revolução que considerou “revolucionário” o regime do General Bignone, que era a continuidade da ditadura. Segundo Moreno, a revolução democrática já seria também uma revolução socialista inconsciente, o que é um contracenso completo. Toda revolução socialista deve ser consciente por natureza, porque implica na derrubada e na expropriação da burguesia. A “revolução democrática” morenista pode ser feita pela própria burguesia e seria, em si, socialista.
         A Teoria da Revolução Permanente considera que a burguesia não seria mais capaz de realizar a revolução democrática, que até então foi sua tarefa histórica. Essa tarefa, daí em diante, deveria ser cumprida pelo proletariado. Este, apoiado no movimento camponês, realizaria a revolução democrática (derrubada da manarquia e expropriação do latifúndio semi-feudais) e ao mesmo tempo começaria a realizar as tarefas socialistas (expropriação da burguesia). As revoluções democrática e socialista fazem parte de um mesmo processo, porque ambas são feitas pelo proletariado que deve derrubar a burguesia através de uma insurreição. A revolução democrática deve transformar-se em socialista organicamente, sem necessidade de nova insurreição porque o proletariado não necessita fazer uma insurreição contra si mesmo. Por sua vez, teoria morenista é a completa negação da Revolução Permanente, pelos seguintes motivos: 1 - por dispensar o partido revolucionário, sendo feita por partidos burgueses ou pró-burgueses. E esses partidos, que são incapazes de realizar a revolução democrática, muito menos farão a revolução socialista, como afirma Moreno, porque jamais a burguesia expropriaria a si própria; 2- por não ser feita pelo proletariado; 3 – por dispensar a insurreição. Nunca se viu na história se viu uma classe abrir mão do seu poder pacificamente.
          A afirmação de Moreno de que a revolução democrática já seria uma revolução socialista insciente, mesmo dirigida por partidos burgueses, implica dizer que esses partidos expropriariam a burguesia, o que é uma incoerência. Na verdade, as”revoluções” morenistas, democrática e socialista, somente podem fazer parte de um mesmo processo por não ser nem democrática nem socialista.  Moreno quebra todos os princípios do marxismo: o papel do proletariado, a necessidade do partido e da insurreição. A revolução deixa de ser a mais aguda luta de classes, transforma-se numa transação pacífica entre as classes. Não fazemos injustiça ao considerar a sua teoria como mais uma das tantas versões social-democratas da transformação pacífica do capitalismo.

Luta Marxista
Abril 2013


     
          

Nenhum comentário:

Postar um comentário