domingo, 14 de abril de 2013

A “REVOLUÇÃO DEMOCRÁTICA” DO GENERAL BIGNONE

Completam-se trinta anos do fim da sanguinária ditadura argentina dos generais Videla, Galtiere, Reynaldo Bignone (este, o General democrático, segundo Moreno) e do almirante Emilio Massera (o amigo do Papa), entre outros. Essa ditadura foi responsável pela morte e tortura de mais de trinta mil pessoas, segundo ela, “terroristas”, mas na verdade, guerrilheiros urbanos, socialistas, democratas, membros da Igreja e pessoas comuns. Esses crimes foram perdoados pelas leis conhecidas como Ponto Final e Obediência Devida, depois revogadas no governo Néstor Kirchner. Desde então, esses criminosos militares têm sido julgados e condenados pela justiça argentina.
         Em 12 de março último, o Tribunal Oral Federal de San Martin emitiu uma sentença de prisão perpétua contra o último ditador, Gal. Reynaldo Bignone e outros acusados por crimes de lesa-humanidade (torturas, execuções, rapto de bebês), cometidos contra 20 vítimas, no centro de extermínio Campo de Mayo. Bignone, que dirigiu a Argentina após a guerra das Malvinas até a redemocratização, de 1982 a 1983, já havia sido condenado em outros processos. Essa substituição do Gal. Leopoldo Galtiere pelo Gal. Reynaldo Bignone, Nahuel Moreno, dirigente da LIT, considerou “Uma Revolução Democrática Triunfante”, título do seu livro fruto de um informe apresentado ao Comitê Executivo Internacional da LIT, em 1983. Para desmascarar essa farsa, esses trinta anos não passaram em vão.

Um exemplo morenista de Revolução Democrática
         Nesse livro, Moreno apresenta o regime de Bignone como o melhor exemplo de “revolução democrática”. Compara esse regime com outros, também oriundos de quedas de ditaduras e de todos o considera a única “revolução democrática triunfante” na Argentina. Vejamos as suas palavras: “Este informe parte de um pressuposto básico: que a revolução democrática argentina já triunfou com a caída de Galtiere e a assunção ao mando por Bignone”. E diz mais: “Muitos companheiros se perguntarão a razão pela qual demos o nome de revolução a um acontecimento que aparentemente se parece ao ocorrido repetidas vezes na história argentina dos últimos cinqüenta anos: a passagem de um regime não votado a outro que, sim, o é”. A isso o próprio Moreno responde: “O atual processo é muito distinto ao posterior ao Cordobaço. Não é produto de uma dosificação ou condicionamento do governo militar, senão de um fenômeno abrupto, incontrolável, que se deu de repente sem que haja sido planejado nem desejado por nenhum setor da classe dominante. Ninguém contava, dentro do mundo oficial burguês ou burocrático, que no curto lapso de três meses passaríamos do mais terrível dos regimes contrarevolucionários conhecidos no país a um regime onde campearão mais ou menos todas as liberdades democráticas formais e de um governo forte a um que cai sozinho. Da falta absoluta das mínimas liberdades, passamos a liberdades democráticas muito amplas, quase absolutas ...”.
         Essa transição do regime pode não ter sido “planejada”, mas foi perfeitamente controlada pela ditadura, que nomeou Bignone em substituição à Galtiere. Para Moreno, foi uma revolução democrática “levada à cabo pelo povo trabalhador e não pela burguesia. Não se conhece nenhum regime contrarevolucionário capitalista que tenha sido derrubado pela ação da burguesia, que saibamos”. Isso é uma inverdade completa. Com a derrota da Argentina para a Inglaterra nas Malvinas, os trabalhadores argentinos entraram em ascenso, mas não é verdade que tenham derrubado a ditadura. Ao contrário, esta tratou de reciclar-se exatamente para que nada mude no fundamental. Repetiu-se o esquema clássico do fim da maioria das ditaduras: uma negociação das elites para substituir o regime, sob seu estrito controle, antes que o povo o faça. Somente Moreno não sabe disso. Chama essa substituição controlada da ditadura de “Revolução Democrática Triunfante”. Segundo ele, “todo triunfo em tempo de revolução democrática, é um triunfo do povo trabalhador e jamais da burguesia”. Para ele, o triunfo da “revolução democrática” pode se dar sob a direção de um general ditador e sustentada por partidos burgueses. Para o marxismo, uma revolução é uma luta entre classes antagônicas. Por esse motivo, o fato de a “revolução argentina” ter levado ao poder partidos burgueses é a prova cabal da sua derrota. Moreno chama a derrota de vitória.

Revolução Permanente e Revolução Democrática
         Moreno apelida de revolução democrática qualquer substituição de um regime ditatorial. Segundo ele: “O surgimento de um novo tipo de regime contrarevolucionário de signo burguês, como os fascistas e semi-fascistas, e a perda de peso do feudalismo nos países atrasados, levou ao surgimento de um novo tipo de revolução democrática, a anti-capitalista e anti-imperialista, não a anti-feudal”. Isso é completamente falso. A existência de ditaduras burguesas não era novidade na época de Lênin, diferente do que afirma, e Trotsky conviveu com a experiência do fascismo, mas nunca considerou a queda de ditaduras revoluções democráticas. O marxismo define como revolução democrática a derrubada de monarquias semi-feudais, coisa que não existe mais. Foi o caso das três revoluções russas: 1905, fevereiro e outubro de 1917.
         A derrubada de uma ditadura nada tem a ver com revolução democrática. A conquista de liberdades democráticas, dentro do capitalismo, não é uma revolução, mas uma reforma democrática, necessária e preparatória da revolução socialista. Os trabalhadores preferem uma democracia burguesa (que também é uma ditadura) a um regime ditatorial, por isso lutam por maiores liberdades democráticas. Mas a luta contra uma ditadura não é uma luta por liberdades democráticas, mas pelo poder entre duas classes antagônicas. O proletariado deve lutar exclusivamente pelo seu governo, disputando com a burguesia o poder do país. A burguesia, que sustenta a ditadura, é obrigada a substituí-la por um regime democrático. Em geral, faz um acordo com ela para uma transição pacífica. Nada muda de fundamental para a mesma.
         A substituição de uma ditadura pela burguesia, não pode ser considerada uma vitória dos trabalhadores, mesmo que represente maiores liberdades democráticas, porque o que está em jogo não é a ampliação dessas liberdades, mas o poder de uma classe ou de outra. Desse ponto de vista, a substituição de uma ditadura por um regime democrático burguês é uma derrota do proletariado, porque os trabalhadores perderam para a burguesia a luta pelo poder. Estes lutam por liberdades democráticas, mas jamais por um regime burguês, que são coisas completamente distintas. Trotsky chama de “derrota democrática da revolução proletária” o que Moreno denomina de “revolução democrática triunfante”.
         Lênin considerou a Revolução de Fevereiro/17 como uma revolução democrática – embora mutilada – apenas de fevereiro a outubro de 1917. Após a Revolução de Outubro, esta passou a ser a verdadeira revolução democrática, porque somente ela destruiu os restos do feudalismo. Essa revolução foi a confirmação da teoria da Revolução Permanente. Moreno, a partir da revolução cubana, começou a questionar todos os princípios da Revolução Permanente: a direção do proletariado e a necessidade do partido revolucionário. Sobre isso, afirma: “Entretanto, já desde o triunfo da revolução cubana, nós havíamos teorizado sobre a situação revolucionária, opinando que as quatro condições para o triunfo da revolução proletária, colocadas por Trotsky, se haviam revelado equivocadas na revolução chinesa, cubana e nas outras revoluções coloniais, porque não se haviam dado nem sob a hegemonia classista do proletariado, nem tendo à sua frente o partido marxista revolucionário”. Isso é parcialmente verdadeiro, portanto, completamente falso. É verdade que não havia partido revolucionário, mas não é verdade a ausência de hegemonia do proletariado ou que a mesma tenha sido do campesinato. A hegemonia do proletariado se deu distorcidamente através da influência da revolução russa sobre os partidos comunistas burocráticos. Não fosse esse fato, jamais a burguesia teria sido expropriada na China e em Cuba.
         O Programa de Transição previu, como hipótese improvável, revoluções que expropriem a burguesia dirigidas por direções pequeno burguesas ou estalinistas, tal como aconteceu nesses países. Dessa experiência, devemos tirar a conclusão, pela negativa, da absoluta necessidade do partido revolucionário, oposta a de Moreno. Este transformou a exceção em regra. Segundo ele, todas as revoluções deveriam passar por essa fase democrática, onde não haveria hegemonia do proletariado e a direção caberia a partidos pequeno burgueses, estalinistas ou, até mesmo, burgueses. Vejamos: “Uma característica de todas as revoluções democráticas não somente é a mudança de regime, senão o fato de que quem sustenta o governo “revolucionário” são partidos burgueses ou pequeno burgueses que controlam o movimento de massas”.  E no caso da “revolução democrática triunfante” do General Bignone, foi a Multipartidária, frente dos grandes partidos  burgueses argentinos, o peronismo e o radicalismo. Nas palavras de Moreno: “Como conseqüência dessa revolução triunfante a Multipartidária é o verdadeiro sustentáculo do governo”.
         Uma revolução, por ser uma luta pelo poder entre classes, somente pode ser vitoriosa através de uma insurreição armada. Moreno contraria também esse princípio básico do marxismo. A sua revolução democrática dispensa insurreição. Segundo ele: “Para nós a crise revolucionária e o estalo revolucionário podem não ser sangrentos. Insistimos que uma revolução é quando se logra um objetivo histórico, concretamente a derrota de um regime contrarevolucionário e o surgimento de um novo regime democrático”. Assim, amesquinhou tanto o conceito de revolução que considerou “revolucionário” o regime do General Bignone, que era a continuidade da ditadura. Segundo Moreno, a revolução democrática já seria também uma revolução socialista inconsciente, o que é um contracenso completo. Toda revolução socialista deve ser consciente por natureza, porque implica na derrubada e na expropriação da burguesia. A “revolução democrática” morenista pode ser feita pela própria burguesia e seria, em si, socialista.
         A Teoria da Revolução Permanente considera que a burguesia não seria mais capaz de realizar a revolução democrática, que até então foi sua tarefa histórica. Essa tarefa, daí em diante, deveria ser cumprida pelo proletariado. Este, apoiado no movimento camponês, realizaria a revolução democrática (derrubada da manarquia e expropriação do latifúndio semi-feudais) e ao mesmo tempo começaria a realizar as tarefas socialistas (expropriação da burguesia). As revoluções democrática e socialista fazem parte de um mesmo processo, porque ambas são feitas pelo proletariado que deve derrubar a burguesia através de uma insurreição. A revolução democrática deve transformar-se em socialista organicamente, sem necessidade de nova insurreição porque o proletariado não necessita fazer uma insurreição contra si mesmo. Por sua vez, teoria morenista é a completa negação da Revolução Permanente, pelos seguintes motivos: 1 - por dispensar o partido revolucionário, sendo feita por partidos burgueses ou pró-burgueses. E esses partidos, que são incapazes de realizar a revolução democrática, muito menos farão a revolução socialista, como afirma Moreno, porque jamais a burguesia expropriaria a si própria; 2- por não ser feita pelo proletariado; 3 – por dispensar a insurreição. Nunca se viu na história se viu uma classe abrir mão do seu poder pacificamente.
          A afirmação de Moreno de que a revolução democrática já seria uma revolução socialista insciente, mesmo dirigida por partidos burgueses, implica dizer que esses partidos expropriariam a burguesia, o que é uma incoerência. Na verdade, as”revoluções” morenistas, democrática e socialista, somente podem fazer parte de um mesmo processo por não ser nem democrática nem socialista.  Moreno quebra todos os princípios do marxismo: o papel do proletariado, a necessidade do partido e da insurreição. A revolução deixa de ser a mais aguda luta de classes, transforma-se numa transação pacífica entre as classes. Não fazemos injustiça ao considerar a sua teoria como mais uma das tantas versões social-democratas da transformação pacífica do capitalismo.

Luta Marxista
Abril 2013


     
          

domingo, 7 de abril de 2013

NOVA MARCHA À BRASILIA SEMI-GOVERNISTA


          Estamos nos aproximando da marcha à Brasília de 24 de abril, convocada pelo chamado Espaço de Unidade e Ação, composto pela CSP-Conlutas, CUT Pode Mais, MST, Intersindical, federações, sindicatos, apoiada pela quase totalidade da esquerda, envolvendo setores governistas e semi-governstas. Desta feita, não tem a participação da CUT e demais centrais governistas. Pelo contrário, a CUT criticou duramente a marcha atribuindo à mesma um caráter partidário ao propor a anulação da reforma da previdência de 2003.  A Conlutas se defendeu lamentando que a CUT não estivesse apoiando as “lutas” e, ao invés disso, apoiasse medidas contra os trabalhadores, tal como o ACE (Acordo Coletivo Especial), aliás, proposto pela própria CUT. Esta realizou a sua própria marcha no dia 06 de março.
          Com a crise econômica, o capital intensificou o seu ataque aos trabalhadores, transferindo para os mesmos os seus custos. Acompanhamos diariamente a retirada de direitos dos trabalhadores europeus, principalmente na Irlanda, Grécia, Portugal e Espanha, mas também em países mais importantes como Inglaterra, França e Itália. Contrariando o discurso ufanista oficial, a crise começa a chegar com maior força ao Brasil. O ano de 2012 foi de estagnação econômica, apesar dos pacotes de bondades ao empresariado por parte do governo. Nessa conjuntura, a CUT assume mais abertamente a sua função de promotora desses ataques. Há muito tempo não defende os trabalhadores, mas o capital.  Já havia apoiado a reforma da previdência de 2003. Agora, é a grande patrocinadora do ACE (Acordo Coletivo Especial) que subordina o legislado ao acordado. Ou seja, escancara as portas para que sindicatos pelegos assinem acordos com os patrões abrindo mão dos direitos previstos na CLT. Estão de olho na retirada do 13º salário, férias, aposentadoria, multa de 40% nas demissões, etc.
          Essa política abertamente patronal da CUT provoca atritos internos com setores cuja base nas campanhas salariais está enfrentada com os patrões e o governo, principalmente no funcionalismo público. Essas direções governistas de “esquerda” precisam dar uma satisfação à sua base. Essa é a razão do surgimento da CUT Pode Mais, que não significa uma ruptura frontal com a burocracia majoritária ou assumir a defesa coerente dos trabalhadores. Implica dar a estes uma satisfação aparente, opor-se apenas formalmente aos ataques mais brutais, servir ao capital de outra forma ao desviar as lutas do seu método mais conseqüente, a luta direta. Isso vale também para a CSP-Conlutas. E esse é o sentido da marcha de 24 de abril. 

O SENTIDO DA MARCHA À BRASÍLIA

          A marcha à Brasília de 24 de abril é uma “luta” para dar uma satisfação à vanguarda e evitar a luta real. Nessas marchas não existem massas, apesar de serem aparentemente massivas por envolverem a vanguarda nacional, a um alto custo financeiro. Evidentemente que setores minoritários, como Conlutas, CUT Pode Mais e Intersindical não tem maior poder de mobilização de massas. Não exigimos isso. Mas o que se poderia esperar de direções classistas minoritárias, que não é o caso, seria pelo menos uma ampla campanha de agitação nos locais de trabalho, nas ruas, e que possa conscientizar o seu conjunto: desmascarar a política do capital e seus agentes, o governo, os partidos patronais e as centrais pelegas.
          Essa marcha tem, portanto, o sentido de desviar os trabalhadores dessa luta real. Deveria ser uma conseqüência de uma mobilização, para apresentar alguma reivindicação ao governo. Mas não representa qualquer mobilização, pelo contrário a substitui. É um ato isolado, que não procede de uma mobilização, não tem sentido de continuidade e não busca o atendimento de nenhuma reivindicação específica. Ao invés disso, apresenta ao governo um programa, o qual evidentemente não é para atendimento imediato. Os trabalhadores não se mobilizam por um programa. Quem sabe o façam em época revolucionária. Em situações normais, um programa orienta as lutas de um longo período, cujas reivindicações devem ser conquistadas geralmente uma a uma em lutas específicas. Apenas a revolução socialista pode representar a conquista de um programa dos trabalhadores.
          O manifesto do Espaço de Unidade e Ação, que convoca a marcha, trás uma Plataforma com uma vintena de reivindicações, e que resumidamente são: contra o ACE, o Fator Previdenciário e as privatizações, pela revogação da reforma da previdência de 2003 e do Código Florestal, pela reforma agrária, moradia digna, serviços públicos de qualidade, melhores salários, educação pública, auditoria da dívida pública. Isso caracteriza um movimento por uma nova política econômica, de reforma do capitalismo (auditoria da dívida pública e um programa agrário dos trabalhadores). Algumas das suas reivindicações são claramente distracionistas. Não se pode anular medidas essenciais à burguesia (reforma da previdência, fator previdenciário, Código Florestal) ou conquistar outras (reforma agrária, melhores salários, melhores serviços públicos) sem uma grande mobilização revolucionária da sociedade, tudo o que não se propõe o Espaço de Unidade e Ação.
           E o que é pior, a marcha, com uma fachada de luta, é um apoio disfarçado ao governo e às suas reformas. Não é por acaso que a mesma coincide com a greve geral dos professores chamada pela governista CNTE, que coincide com a tramitação no Congresso Nacional do famigerado PNE (Plano Nacional da Educação), que é a política neoliberal para a educação, recomendada pelo Banco Mundial. Na prática, tanto a greve como a marcha, são movimentos de pressão sobre o Congresso para a aprovação do PNE. A diferença entre a CUT e o Espaço de Unidade e Ação é mais aparente que real. Enquanto a primeira é promotora explícita dos ataques liberais, o segundo os apóia veladamente.
          Apoiamos a luta do proletariado por conquistas específicas dentro do capitalismo, - melhores salários, serviços públicos, aposentadoria, etc. - que estão na lógica das reformas, mas não apoiamos um programa geral de reformas do capitalismo, como a Plataforma apresentada para a marcha. As lutas específicas tem o sentido de mobilizar os trabalhadores contra a burguesia, opô-las às direções patronais, organizá-las por local de trabalho, criar o partido revolucionário, preparar as condições para a revolução socialista. Apenas nesse sentido são progressivas e necessárias. Somente eventualmente podem ser vitoriosas dentro do capitalismo, porque este está na ofensiva para retirar direitos e não concedê-los.
 As conquistas dentro do capitalismo são uma conseqüência da luta revolucionária, porque a burguesia somente concede alguma reivindicação importante quando se vê na iminência de perder tudo. Jamais podemos semear ilusões de reforma do capitalismo como supõe a Plataforma. Também, jamais podemos assinar manifestos políticos comuns com os nossos inimigos de classe, como com os governistas integrantes do Espaço de Unidade e Ação – CUT Pode Mais, MST, ou assemelhados. Podemos evidentemente fazer Frente Única, mas apenas no sentido marxista, ou seja, como “acordos práticos para ação de massas”. Isso não envolve qualquer acordo programático, o que é uma traição, tal como a Plataforma. Como dizia Trotsky: “Nenhuma plataforma comum ..., nenhuma edição, nenhuma bandeira, nenhum cartaz comum: marchar separadamente, lutar juntos. Combinação apenas nisso: como combater, quem combater e quando combater. Nisso pode-se entrar em acordo com o próprio diabo e a sua avó”. O morenismo criou a teoria oportunista que difere Frente Única de unidade na ação. A primeira pressupõe acordos programáticos, segundo Moreno, admissíveis em certas circunstâncias. Para o marxismo não existe essa diferenciação. Somente se admite a Frente Única entendida como unidade na ação. Qualquer programa comum com os nossos inimigos de classe é uma traição.
01 de abril de 2013.

IGREJA MUDA COM FRANCISCO PARA QUE NADA MUDE

         A renúncia de Bento XVI e a nomeação do novo papa Francisco sacodem a Igreja Católica e concentram a atenção da opinião pública. Sopram ventos de supostas mudanças no Vaticano que contagiam a opinião pública. A grande imprensa enaltece as qualidades do argentino Jorge Mario Bergoglio (simplicidade, humildade, preocupação com os pobres) e minimiza os seus defeitos: cumplicidade com a ditadura militar do seu país e o seu ultra conservadorismo nas questões de costumes (oposição ao aborto, à união homossexual, aos preservativos, à educação sexual). As inúmeras denúncias sobre o seu obscuro passado obrigou a Santa Sé a vir a público para desmenti-las, alegando inexistência de provas contra Bergoglio e que essas denúncias seriam “calúnias de setores anti-clericais”.
         Primeiro Bento XVI renunciou inesperadamente - após muitos séculos sem renúncia de um papa – conseqüência das disputas internas que dilaceram a Igreja, principalmente, os escândalos envolvendo corrupção no Banco do Vaticano (oficialmente denominado Instituto para Obra Religiosas) - que o próprio Vaticano apelidou de Vatileaks - coisa que se perpetua há décadas. Nos anos 80, estourou um escândalo sobre as vinculações do Banco do Vaticano com o Banco Ambrosiano e a máfia italiana, quando um banqueiro apareceu enforcado sob uma ponte do Tâmisa, em Londres. Desta feita, os novos escândalos causaram mal estar na Itália e na União Européia. Isso resultou na demissão por Bento XVI do seu amigo banqueiro Ettore Gotti Tedeschi. Como conseqüência, o Papa encomendou uma investigação a três cardeais. O relatório apresentado teria sido o estopim da renúncia, relatando corrupção no Banco do Vaticano e escândalos sexuais no núcleo da Santa Sé. Fala-se que esse relatório permanece secreto, apesar do seu vazamento, não sendo acessível nem mesmo aos cardeais membros do conclave.
         Essa renúncia é uma expressão das brigas internas entre corporações religiosas, verdadeiras máfias, pelo poder na Igreja. Bento XVI é vinculado à Opus Dei e Francisco à Companhia de Jesus. Todas têm em comum o reacionarismo político e social, marca registrada da própria Igreja, de conjunto. Os setores progressistas, tais como a Teologia da Libertação, cujos expoentes no Brasil são Leonardo Boff e Frei Beto, foram virtualmente eliminados, perseguidos desde o papado de João Paulo II. Recorde-se que Boff foi punido com o “silêncio obsequioso” e excomungado por Ratzinger quando chefe da comissão para a Doutrina da Fé (nome atual da Santa Inquisição). Desde então, a Igreja aniquilou a sua ala esquerda (na Argentina, não sem a ajuda da ditadura militar que assassinou centenas de membros dessa corrente, sob o silêncio da Igreja).


A CUMPLICIDADE DA IGREJA ARGENTINA COM A REPRESSÃO

         Os fatos são evidentes. Existem dezenas de testemunhos de cumplicidade direta da cúpula da Igreja com a ditadura. Há jornalistas de direita, portanto insuspeitos, que atestam pelo menos a omissão da Igreja. A própria Igreja admitiu não ter feito o possível contra os atos da ditadura e por isso pediu perdão. Não se tratou de covardia pessoal, porque a Igreja, como instituição universal, é muito mais forte que qualquer ditadura de terceiro mundo. Nessas condições, omissão e cumplicidade são a mesma coisa. Dispensa comprovação o fato de que a ultraconservadora Igreja Católica se beneficiou com a amputação pela ditadura da sua ala esquerda. O certo é que, pelo menos na prática, houve uma divisão de tarefas entre os militares repressores e a alta hierarquia da Igreja na luta contra a esquerda católica e a esquerda em geral. Todos estiveram unidos na erradicação do inimigo comum, o que chamaram genericamente de comunismo. A Igreja acobertou a repressão e deu apoio político, ideológico e espiritual aos militares. Estes retribuíram seqüestrando, torturando e assassinando os inimigos comuns. É emblemática a foto de Bergoglio dando a comunhão a Videla. A história registrou uma promiscuidade completa entre a cúpula de batina e a junta militar.

AS DENÚNCIAS CONTRA BERGOGLIO

         Seriam essas denúncias, como afirma o Vaticano, “calúnias anti-clericais” ou estariam comprovadas? Existem dezenas de testemunhos imputando diretamente Jorge Bergoglio, inclusive por membros da Igreja, que não se enquadram no conceito de anti-clericais. Existem também intelectuais que o defendem, como Perez Esquivel, contrariando esses testemunhos e os demais fatos que são de domínio público, como a vinculação da Igreja com a ditadura. É muito citado o caso dos jesuítas Orlando Yorio e Francisco Jalics, seqüestrados e torturados, segundo as evidências, com a cumplicidade de Jorge Bergoglio. Jalics diz ter se reconciliado com Bergoglio, não o incrimina e também não o absolve. Mas a própria reconciliação pressupõe um rompimento anterior. Yorio morreu o denunciando, fato reafirmado pelos seus irmãos.
         Não menos divulgado é o assassinato da católica Helena de La Quadra, do seu marido e o seqüestro da filha do casal, nascida no cativeiro e cujo paradeiro não se conhece até hoje. Os seus pais procuraram em vão o auxílio de Bergoglio, então chefe dos jesuítas, que lavou as mãos como Pilatos. Bergoglio foi interrogado em 2010 no processo dos torturadores da ESMA (Escola de Mecânica da Armada – um dos centros de tortura) e declarou desconhecer o caso de Helena e sua filha, e também desconhecer o próprio fato das centenas de crianças seqüestradas, do que teria tomado conhecimento apenas nos últimos anos. Entretanto, o seqüestro de crianças pela ditadura é público e notório pelo menos desde 1983, quando foi denunciado pelas Avós da Praça de Maio. Desde então se sabe do Plano Sistemático de Roubo de Bebês pelos militares, com participação do Movimento Familiar Cristão, instituição da Igreja. Somente Bergoglio ignorou na Argentina, durante vinte anos após os fatos terem sido tornados públicos, o seqüestro de bebês, a participação da Igreja, e nem sequer lembrou-se de ter sido procurado pelo pai de Helena de La Quadra em 1977.
         Todos esses fatos foram relatados no livro do jornalista Horácio Verbitsky, que arrola outros tantos testemunhos. Em face dessas denúncias, achamos muito provável a responsabilidade pessoal de Jorge Bergoglio nesses acontecimentos macabros. Em qualquer caso, é certo que Bergoglio mentiu no processo dos torturadores da ESMA dizendo ignorar o rapto de crianças pela ditadura, demonstrando o seu caráter dissimulado. Note-se que Bergoglio negou-se a depor como um simples mortal no processo, reivindicando um dos tantos odiosos privilégios que desfrutam os notáveis da Igreja, de somente depor na sede episcopal. Por igual empecilho e acobertamento judicial, até hoje a justiça francesa está esperando o seu depoimento sobre a morte do padre francês Gabriel Longueville.
         Mesmo que ignoremos esses fatos, o seu conluio político e moral com a ditadura é incontestável. Por exemplo, a sua íntima amizade com o almirante Emílio Massera, ideólogo do regime, a favor de quem intercedeu para a concessão da medalha de Honra ao Mérito pela Universidade de Salvador, dirigida pelos jesuítas. Fez jus ao seu passado de membro da Guarda de Ferro, organização da ultra-direita peronista. Não por acaso, foi contra a anulação da lei de anistia aos torturadores, propondo em troca a “reconciliação nacional”, ou seja, a impunidade. Também não foi casual a saudação recebida dos 44 torturadores da La Perla (centro de torturas) ao comparecerem à seção do tribunal ostentando um broche com as cores do Vaticano, logo após a sua ascensão ao trono de Papa.
         Contra si pesa o repúdio das Avós da Praça de Maio, dos familiares das vítimas, dos estudiosos da repressão, como Verbitsky, e da opinião pública mais esclarecida. E a seu favor o apoio dos bajuladores de plantão e dos ingênuos. 

O QUE MUDA NA IGREJA COM FRANCISCO?

         Todas as aspirações de mudança insinuadas e propagadas com a posse de Francisco são ilusões, incompatíveis com a sua história e com a história da própria Igreja. Esta continuará, como sempre, com a sua postura medieval em todas as questões morais importantes, em nada evoluindo em relação ao “reinado” de Bento XVI: contra a homossexualidade, o casamento gay, a pílula, a camisinha, o aborto, o celibato dos padres e a favor da posição subalterna da mulher. Politicamente também nada muda. A Igreja continuará como braço da extrema direita fascistizante, contra tudo o que é ou pareça ser mais progressista. Na ausência de um movimento revolucionário, se voltará contra o nacionalismo burguês, mesmo domesticado. Dará seu apoio ao imperialismo nas suas investidas contra as lutas de libertação nacional. Apoiará o sionismo judeu contra os palestinos, os árabes e persas (Irã). Continuará como um dos principais instrumentos políticos do capital financeiro contra os povos.
         Mesmo que Francisco represente a continuidade de tudo o que é retrógrado, não se pode afirmar que nada mudará no seu reinado. A sua escolha como Papa não foi casual. Diante da profunda crise que corrói a Igreja, esta precisa aparentar mudança para que nada mude, como aconselhou Maquiavel. E essa “mudança” já começou desde o primeiro dia do seu pontificado: o culto à simplicidade, à moralidade e a preocupação com os pobres. A sua política à frente da Igreja será provavelmente semelhante ao que fez na Argentina: as suas preocupações verbais com a pobreza, com o trabalho escravo, o tráfico de pessoas e as denúncias contra a corrupção, desde Menen até Kirchner.
         Se substituirmos a análise superficial por uma mais crítica, aparecerão as enormes contradições. A pretensa preocupação com os pobres se resume a um jogo de cena se a confrontarmos com o seu combate mortal a todo setor da Igreja preocupado com os pobres e com a sua ojeriza a todo movimento reivindicativo dos trabalhadores. Não defende qualquer reivindicação importante destes. Assim como de “boas intenções o inferno está cheio”, os pobres e os trabalhadores mais conscientes estão cheios da demagogia barata com as suas necessidades.
         O mesmo se diga do seu suposto combate à corrupção, que não vai além de declarações bem intencionadas e que estão em flagrante contradição com a corrupção que assola o Vaticano. O inimigo maior sempre está em casa. Contra a corrupção da Igreja Bergoglio nunca levantou um dedo ou a voz. A sua eleição como Papa é a prova maior de que é amigo da corrupção interna, a qual protegerá, o que não é incompatível com medidas cosméticas.
         A sua moralidade também não passou na prova dos nove: acobertou os padres pedófilos argentinos Edgardo Storni e Júlio Cesar Grassi, condenados por pedofilia pela justiça e “absolvidos” pela igreja. O mesmo aconteceu com o padre torturador Von Wernich, também condenado pela justiça e mantido incólume pela Igreja.
         Todo o “progressismo” do cardeal Bergoglio na Argentina não passou de um populismo demagógico de direita para enganar ingênuos. Esse populismo verbal e aparente provavelmente seja o que podemos esperar de Francisco como chefe do Vaticano. Foi escolhido exatamente por isso, para dar uma fachada mais atrativa à Igreja. Mas por trás dessa máscara se esconde a velha cara horrenda de sempre.
23 de março 2013.