O
acordo entre o governo grego (Syriza/ANEL) e a Troika (Banco Central Europeu,
Comissão Européia e FMI) transforma a Grécia numa colônia. Até mesmo as
propostas de lei devem ser apresentadas previamente à União Européia. Foi um
golpe de Estado contra o povo grego. O Syriza passa a ser o executor desse
plano. Tsipras tentou embelezar a capitulação: “um acordo difícil, mas que
permite continuar a luta”. Isso contrasta com vozes do próprio imperialismo. O
economista Paul Krugman afirma: “Isso é um golpe! A lista é mais do que dura, é
vingança pura, destruição completa da soberania nacional e sem esperança de
alívio”. Ou, como afirma a revista alemã Der Spiegel: “um catálogo de crueldades
à Grécia”. A Grécia foi colocada à venda e criado um fundo de privatizações. Os
impostos serão aumentados, bem como, a idade mínima para aposentadoria. Os
contratos individuais se sobreporão aos coletivos.
Alguns analistas relacionam esse acordo ao
Tratado de Versalhes. Alguém o comparou ao Tratado de Brest-Litovsk (cidade
polonesa) entre a Alemanha e a Rússia soviética (03.03.1918), avaliando que era
um mal menor em relação à expulsão do Euro. Ao final da guerra, o exército
russo estava sem condições de resistir à Alemanha. O tratado entregava a
Ucrânia e a Bielo-Rússia, mas preservava o poder soviético, que ganhava tempo
para consolidar-se. O acordo da Grécia com o Eurogrupo não tem qualquer relação
com Brest-Litovsk. A Grécia não ganha fôlego, não cria possibilidade de
recuperação e não tem uma revolução a preservar. O governo Syriza já está reprimindo
as manifestações populares. Passa a governar apoiado nos partidos pró-imperialistas
(Pasok, Nova Democracia, Potami), que ele mesmo havia derrotado.
O reformismo não passou na
prova grega.
Aqueles que apoiam o Syriza o ajudam a
trair o povo. Entretanto, os críticos ao acordo não desempenham melhor papel. A
Plataforma de Esquerda, tendência do Syriza, votou contra o acordo mas não
rompeu com o partido e o governo. A Antarsya (Coalisão de Esquerda
Anti-capitalista) de anti-capitalista não tem nada, é uma oposição burguesa. A
maioria da esquerda mundial propõe a frente única com essa esquerda grega, que
no máximo propõe o rompimento com a Eurozona. O reformismo, quando na oposição,
costuma ser radical. Uma vez no governo, esquece o seu radicalismo.
A Eurozona é uma camisa de força a serviço dos
bancos, que esmaga principalmente os países periféricos, que não têm instrumentos
para resistir: não tem moeda própria, o euro controlado pelo Banco Europeu, e
com baixa produtividade. O rompimento com o euro somente é viável com a
estatização do capital, principalmente, os bancos, e com o monopólio do
comércio exterior. A nada disso se propõe essa esquerda. A unidade européia sob
o capitalismo significa a escravização do mais fraco pelo mais forte.
A esquerda internacional, após o acordo,
está posando de radical, o que é uma fraude política. A maioria está contra a
capitulação do Syriza, mas até a véspera o ajudou a colocar areia nos olhos dos
trabalhadores. Apoiou acriticamente o referendo. Até as pedras sabiam que o
governo apenas procurava respaldo para negociar outro acordo. Porque, então, a
esquerda não preveniu o povo da traição anunciada? Nem sequer chamou voto
crítico no não. Pelo contrário, voltou as suas baterias contra o Partido Comunista,
o único que alertou contra essa traição, propondo a colocação na urna da
seguinte proposta: “Não à proposta da União Européia, Banco Central Europeu e
Fundo Monetário Internacional; Não à proposta do governo. Saída da União
Européia e classe trabalhadora no poder”. Isso foi tachado de sectarismo e
divisionismo por toda a esquerda oportunista (LIT/PSTU, UIT/CST, PTS/MRT
(ex-LER), etc.).
Após o referendo, essa esquerda se fez
de muito surpresa com a traição e sacou do colete o seu programa radical. Veremos
apenas o programa da LIT, que é um retrato dos demais: “- Não a qualquer plano
de austeridade; - Não a todas as medidas da Troika!; - Não à divida; - Pela
imediata nacionalização da banca!; Por um plano de resgate dos trabalhadores e
do povo!; - A vitória obtida no referendo deve ser defendida nas ruas com a
mobilização!; - Fora o pacto Syriza, Pasok, ND”.
Como se pode falar em vitória? A vitória
do não no referendo respaldou a traição do Syriza que resultou no pacote de
maldades da União Européia. A esquerda e a LIT se lembraram de defender “não a
qualquer plano de austeridade”, apenas após o referendo. Antes disso,
respaldaram o governo e o seu plano que estava na manga e todo mundo sabia. Chamaram de sectarismo a proposta do PC de
incluir no referendo exatamente isso, ou seja, não a qualquer plano de
austeridade.
A
sua palavra de ordem “não à dívida” é incoerente. A dívida brasileira e
argentina é tão fraudulenta quanto a grega. Aqui e na Argentina, essas correntes
não fazem qualquer agitação de massa contra a dívida. Fazem apenas declarações para
a vanguarda nos seus jornais. Também não fazem qualquer propaganda para as
massas das tarefas do socialismo. A sua política do dia a dia é o economicismo
rebaixado. A proposta de “nacionalização da banca” é ainda mais irônica. Alguém,
por acaso, já leu na plataforma eleitoral do PSTU: - pela expropriação dos
bancos e das multinacionais? É fácil ser radical para a Grécia, com o atlântico
a nos separar.
Após romper tardiamente com o Syriza, a
esquerda passa a apostar na equivalente grega (Plataforma de Esquerda e
Antarsya): “É necessário construir organismos de frente única que possam, nas
ruas e locais de trabalho, combater os planos da Troika e promover toda a
medida de mobilização dos trabalhadores e do povo, e com apoio internacional.
Essa é a única via para derrotar o ataque imperialista e construir uma saída
operária para a Grécia e Europa” (LIT). Convocam a raposa para cuidar do
galinheiro. Não se pode descartar frente única eventual com alguns setores
dessa esquerda contra os planos de austeridade, mas colocar nas suas mãos a
tarefa de “construir uma saída operária para a Grécia” equivale a debochar dos
trabalhadores, como se esta se dispusesse a romper com o capital. Os métodos
devem ser coerentes com o programa.
Mesmo que a LIT e todo o “trotskismo” estivesse
à frente do proletariado grego, nem assim essa pretensa “saída operária para a
Grécia” deixaria de ser demagógica. Basta lembrar que o seu programa é a
revolução democrática, etapa anterior à revolução proletária. Não se pode
romper com a União Européia e estatizar os bancos por via parlamentar, sem
insurreição popular. A prova dos nove de uma política revolucionária não está nos
discursos socialistas de dias de festa, mas no trabalho coerente pela
insurreição proletária. Não propomos aventura, mas a criação de condições para
a emancipação do proletariado.
E o Partido Comunista
grego?
Um setor da esquerda alinha-se ao Partido
Comunista grego (no Brasil, a LBI). Nós também consideramos que o PC teve uma
posição correta no referendo: “Não às propostas da União Européia; e, não às
propostas do governo”. A frente única com ele contra os planos da Troika é uma
necessidade. Entretanto, diferente da LBI, não delegamos ao PC a tarefa de
encabeçar a revolução socialista, porque o seu programa e métodos são
contraditórios com esses objetivos. Lembramos que se trata de um partido
estalinista, que não defende a soberania popular, baseada nos conselhos de
trabalhadores. Também devemos desconfiar da sua amizade com a Rússia, como
expressa seu secretário geral, Dimitris Koutsoumpas: “Podemos utilizar as
contradições entre os centros imperialistas e alcançar acordos internacionais
de benefício mútuo para a Grécia sob o poder popular, o qual estará desligado
da U.E. e da NATO”. Em geral, é correto tirar proveito das divisões entre os
nossos inimigos, mas não podemos achar que a Rússia é amiga do povo grego e
acreditar que a Grécia possa se beneficiar de “acordos internacionais” com a
Rússia e a China.
Na nova guerra fria entre os blocos
EUA/Europa, de um lado, e Rússia e China, de outro, estas últimas estão numa
posição defensiva. Assim como a Rússia não pode tolerar os mísseis da OTAN em
Kiev, a Europa não tolerará a tutela da Grécia pela Rússia e China, a quem não
convém comprar briga com aquela. E mesmo que resolvam socorrer a Grécia, não o
fariam caso esta fizesse uma revolução proletária. Uma revolução grega
vitoriosa colocaria Rússia e China, não ao seu lado, mas da Europa. Então, o PC
grego ficaria diante do dilema: ou de frear a revolução ou romper com os seus
aliados.
A LBI ainda levanta a sua tradicional
proposta de greve geral. Tudo o que a Grécia não precisa. Em cinco anos, houve
32 “greves gerais” na Grécia. Greves gerais demonstrativas, sem continuidade,
que não pretendem conquistar nada, obstáculo que a burocracia coloca entre o
povo e a revolução. Essa mesma burocracia que defendeu o sim no referendo. Nos
últimos 40 anos, houve uma centena de greves gerais no mundo e apenas uma greve
geral revolucionária (no Uruguai, anos 80, que durou quinze dias). A proposta
de uma verdadeira greve geral revolucionária é uma abstração, porque, nas
condições atuais, somente a burocracia pode convocar tais greves, que servem
para amortecer a luta de classes e evitar a insurreição popular.
Uma proposta para a Grécia
Não somos pessimistas. Vivemos uma profunda
crise de organização e de consciência dos trabalhadores. Fato que não é
novidade e não dura para sempre. A política do capital de destruição das
conquistas populares cria as condições para a retomada das lutas, como está
ocorrendo na Grécia e outros países. Essa resistência trará novamente a sua
indispensável organização. O momento é de luta por criar as condições para a
revolução proletária. Isso passa pela derrota da burocracia sindical, pelo
desmascaramento do reformismo nas suas mais diversas variantes. É de luta pela
soberania popular, sinônimo de organização de base, cuja expressão máxima são
os conselhos populares. Nada disso acontece espontaneamente. Somente a criação
de um partido revolucionário pode tornar efetiva a luta por esses objetivos.
Essas são as tarefas gerais para a
Grécia. Combater sem tréguas o governo capitulador do Syriza, aliado da
direita, em unidade com quem estiver disposto a mobilizar as massas. Combater a
burocracia sindical. Não depositar confiança na esquerda reformista (Plataforma
de Esquerda e Antarsya), nem mesmo no PC. Lutamos pelos Estados Unidos
Socialistas da Europa, o que implica romper com a escravatura da Eurozona, o
que não pode ser feito por dentro do capitalismo. A vitória do socialismo não
pode acontecer por via parlamentar, mas por via insurrecional. Um governo proletário
não se sustentará se não for apoiado por um amplo movimento internacional de
trabalhadores. A denúncia da extorsão capitalista sobre a Grécia, apelidada de
dívida externa, é uma condição para esse movimento. O imperialismo europeu tem
os pés de barro. Não resistiria a um movimento consciente das massas. A Grécia
não está sozinha. Os amigos do proletariado grego são os seus irmãos
escravizados europeus e o proletariado internacional.
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