A
Ucrânia transformou-se no palco da disputa entre a Rússia e os Estados Unidos.
A recusa de firmar um acordo com a União Européia em favor de outro com a Rússia
serviu de estopim da crise. O fim da União Soviética desencadeou uma ofensiva
dos Estados Unidos. O ocidente “anexou” uma dezena de países da antiga URSS. Os
EUA tentam expandir a sua hegemonia a todo o mundo e vêem na Rússia e na China
os maiores obstáculos. A Rússia teve de reagir e já em 2008 interveio
militarmente na Geórgia para frear o expansionismo ianque. EUA e União Européia
criaram centenas de ONGs na Ucrânia, financiaram os partidos de oposição, os
fascistas e a imprensa, num total de cinco bilhões de dólares, conforme declaração
da secretária Victoria Nulland.
Paul Craig,
ex-secretário do tesouro americano, afirma: “A
Ucrânia ou a parte ocidental do país está cheia de ONGs mantidas por Washington
cujo objetivo é entregar a Ucrânia às garras da União Européia ...”. E
Moniz Bandeira escreve: “Com efeito, por
trás das ininterruptas demonstrações, das quais dois senadores americanos -
John McCain (Partido Republicano) e Christopher Murphy (Partido Democrata) abertamente participaram – estão certas ONGs,
tais como Open Society Foundations (OSF), Vidrodzhenya (Reviver), Freedon
House, Poland-America-Ukraine Cooperation Initiative e outras, financiadas
pelos Estados Unidos através da USAID, National Endowment for Democracy e CIA,
bem como, fundações alemãs. Foram elas que promoveram a denominada Revolução
Laranja, que derrubou o governo de Leonid Kuchma (l994-2005)”. A
jornalista, Katya Gorchinskaia, do Kiev Post, afirma: “alguns manifestantes obtém ganhos de 500 dólares por dia ...” . O
ex-analista da NSA, Wayne Madsen, declara: “Desde
que os esforços para manipular a democracia do financista George Soros se
uniram às táticas de revoluções de rua artificiais de Gene Sharp para formar a
estratégia central do objetivo neoconservador dos Estados Unidos e impor seu
“Novo Século Americano” ao mundo
inteiro, a Ucrânia serviu de presa da política exterior intervencionista dos
Estados Unidos ...”. Prédios públicos, antes do golpe, foram ocupados por
essas ONGs. O Jornal online PÚBLICO, publicou o seguinte: “Grupos de Soros continuam pressionando o governo, apesar das
concessões. O grupo Spilna Spraya, que é apoiado financeiramente pelo Open
Society Institute, de George Soros, concordou em terminar com a tomada do
Ministério de Políticas de Agricultura e Alimentação no centro de Kiev”.
A direita fascista – Svoboda e Setor
Direito - dirigiu o movimento Euromaidán. Antes do golpe, já controlavam parte
da Ucrânia, perseguindo os seus adversários. Yanukovich viu-se encurralado. O
exército permaneceu neutro e a polícia retirou-lhe o apoio. Uma parte dos
magnatas, que se apropriaram do patrimônio público, apoiavam o governo e
controlavam a polícia (outra parte apoiava a oposição). Temendo as represálias da União Européia –
congelamento das suas contas – abandonaram-no, seguidos pela polícia. Venceu a
direita liderada por Júlia Timoshenko (Partido Pátria), ex-primeira ministra,
pelo ex-pugilista Vitali Klitschko (Partido UDAR), pelos partidos fascistas
Svoboda e Setor direito, apoiados pela outra parte dos magnatas. A corja
fascista tomou o parlamento, destituiu Yanukovich, nomeou um novo governo, com
ampla participação fascista, e implantou o terror.
Golpe
de Estado ou revolução?
Revolução é a tomada do poder por uma classe
em substituição a outra, através de uma insurreição. Na Ucrânia, houve uma luta
entre dois bandos, cada qual a serviço de um determinado “senhor” imperialista.
O movimento fascista não foi a expressão de uma insurreição de uma classe
revolucionária ou uma revolução democrática, como afirma a esquerda colaboracionista
(LIT/PSTU, UIT/CST). Esta mascara realidade, minimizando o fascismo e
exagerando a participação independente do povo. A sua “revolução democrática”
seria a queda de uma ditadura e a conquista de liberdades democráticas. Os
fatos não se encaixam nem mesmo nesse conceito liberal. O governo não era uma
ditadura e muito menos foram conquistadas liberdades. Sobreveio o terror
fascista. Soa patética a declaração da LIT/PSTU: “A imponente força da mobilização revolucionária do povo ucraniano
derrubou o governo assassino, entreguista e oligárquico de Victor Yanukovich,
conquistando uma vitória democrática que ilumina o caminho dos outros povos e
aterroriza as classes dominantes da Ucrânia, Rússia, da Europa imperialista e
do mundo inteiro”. Não menos patética é a declaração da UIT/CST: “Ucrânia: um triunfo revolucionário das
massas”: “Na Ucrânia triunfa uma
revolução democrática que conseguiu a queda do reacionário e pró-russo
Yanukovich”.
O
PSTU admite que “não nos surpreende que
as manifestações que tomam Maidán sejam dirigidas por execráveis grupos
neonazistas ou pela bastarda direita entreguista pró-ocidente”. A fantasiosa
“revolução democrática” supõe então que o movimento fascista pudesse ser disputado
e a parte da população arrebanhada desse o seu caráter, segundo o modelo das
“revoluções inconscientes” ou objetivas, como sempre, posteriormente “desviadas”
pela direita. Em que momento “as massas” teriam imposto a sua vontade? É inútil
perguntar. Bastaria que se “sintam vitoriosas”. Alega também que se criou o
duplo poder: “De um lado, o
auto-proclamado “novo governo”, assentado na oposição pró-imperialista e de
ultra-direita e, de outro, o poder latente da Praça Maidán, apesar de que em
suas milícias de auto-defesa participem também setores de ultra-direita e uma
parte delas tenha sido cooptada como agente do novo poder”. O alegado duplo
poder (o governo de ultra-direita supostamente oposto às milícias de
auto-defesa das quais participa também a ultra-direita) se resume à tautologia:
ultra-direita versus ultra-direita.
O golpe triunfou. O novo governo fascista (com
sete ministros fascistas) tomou posse e foi saudado pelos manifestantes da
Praça Maidan. Julia Timoshenko, libertada da prisão, correu direto para a
praça, onde recebeu “um banho de massas”, segundo a imprensa. Isso desmente a
alegada mobilização independente das massas.
A
Rússia seria imperialista ou semi-colônia?
Para
uma parte da esquerda, a Rússia não se enquadraria no conceito de imperialismo:
não seria exportadora de capitais, nem um centro financeiro importante, nem
detém grande concentração de capital monopolista. Isso é parcialmente
verdadeiro, portanto, totalmente falso. Não se pode negar a distância entre a
Rússia e o ocidente. A Rússia não atende todos os requisitos do conceito de imperialismo,
mas não existe um padrão de imperialismo, nem um limite que separe países
imperialistas dos não imperialistas. Existem países intermediários, que podem
ser considerados como tais.
As guerras mundiais estabeleceram o equilíbrio
entre as potências e a divisão do mundo entre elas. O equilíbrio surgido da II
Guerra Mundial não existe mais. A União Soviética se desfez. O imperialismo ocidental
penetrou na sua área de influência. As crises mundiais o enfraqueceram e o
tornaram mais parasitário. Os Estados Unidos perderam terreno, sobressaindo o
seu caráter rentista. O seu déficit é enorme, sua dívida impagável, somente
rolada com a poupança externa. O seu poder se mantém com base no monopólio da
emissão da moeda mundial, o dólar, e na sua superioridade militar. Tenta
compensar o seu declínio com a sua doutrina de “domínio total”.
A Rússia e a China também contam com os
seus trunfos. Crescem em nível muito superior ao ocidente. A China não tem
colônias, mas exporta capitais para os outros continentes, conta com a maior
população mundial de um país e uma área enorme. A Rússia é o maior país do
mundo, equivalente a duas vezes e meia o Brasil. Tem uma população numerosa e
enormes recursos naturais, principalmente, gás e petróleo, cuja posse é fundamental.
Possui a Gazprom – gás e petróleo – uma das dez maiores empresas do mundo. A
Europa depende da Rússia. Também é a herdeira do poderio militar soviético, que
é o único que pode se opor ao dos Estados Unidos, e é grande produtora e
exportadora de armamentos.
Hoje,
os principais conflitos têm como pano de fundo a ofensiva dos EUA para
enfraquecer a Rússia e a China: Bálcãs, Afeganistão, Iraque, Geórgia, Líbia,
Síria, Irã, e a Ucrânia. Desde a queda da URSS, a Rússia vem cedendo terreno. A
atual ofensiva sobre a Ucrânia marca um limite. A Rússia não pode ceder a Ucrânia,
embora não lhe convenha a guerra. Mas a iniciativa não lhe pertence. Precisa
consolidar uma área de influência imperialista no seu quintal. Daí a tentativa
de criação da União Aduaneira Euro-asiática com a Bielorússia, Casaquistão, Quirquistão,
Armênia e Ucrânia. Também negocia a concessão de bases militares numa dezena de
outros países. Age na Ucrânia como pais imperialista, embora, camuflada por uma
postura defensiva.
O que
defendemos na Ucrânia?
O
que está em primeiro plano para os trabalhadores conscientes não é a luta pela
soberania nacional da Ucrânia, nem a luta apenas contra o fascismo, nem a luta
contra a Rússia: é a luta de classes do proletariado internacional contra o
conjunto da burguesia, seja democrática ou fascista, européia ou russa. Não
apoiamos nenhum dos imperialismos. Não existe mal menor. O domínio do mundo por
qualquer dos imperialismos significa a mesma barbárie. O bandido mais fraco, a
Rússia, não luta contra o fascismo (existem grupos fascistas ocidentais que
apóiam a Rússia e grupos monarquistas russos – anti-semitas, sucessores dos Cem
Negros - entre as tropas russas na Criméia), nem pela soberania da Ucrânia.
Luta pela escravidão da Ucrânia e dos trabalhadores ucranianos. O imperialismo
“democrático” apóia-se no fascismo ucraniano. Também favoreceu a ascensão de
Hitler. Defende os seus interesses seja através do fascismo ou da democracia. O
próprio sionismo ucraniano defendeu o golpe, incluídos os fascistas, apesar de
que estes vociferem: “morte aos judeus russos!”. Os seus interesses de classe
estão acima da defesa do povo judeu. Também para o proletariado a luta de
classes contra toda a burguesia está acima de qualquer outro interesse.
A
democracia burguesa é preferível ao fascismo, mas no conflito
inter-imperialista, essa diferença se reduz a quase zero. Na Ucrânia, a
“democracia” ocidental está de braços dados com o fascismo, da mesma forma que
a “democracia” russa. Não lutamos contra o fascismo em nome da democracia, mas
do socialismo. Lutamos contra o fascismo da mesma forma que lutamos contra a
ditadura “democrática” capitalista. Na luta contra o capitalismo, combatemos
também o fascismo e qualquer outro representante “democrático” da burguesia.
Na
prática, um desses inimigos pode se tornar circunstancialmente mais perigoso
que o outro. Então, podemos fazer acordo episódico com o último, o que não o
torna o mal menor. O fascismo impôs o terror em Kiev e em parte da Ucrânia. Aí
é o inimigo principal dos trabalhadores dessa região. Devemos combater o golpe
fascista, mas não em nome da volta de Yanukovich. Na Criméia e no Leste
ucraniano, a Rússia é o inimigo principal desses povos, que devem denunciar a
máfia russa, a repressão, os planos de arrocho. O inimigo principal está sempre
em casa. Não apoiamos a anexação da Criméia à Rússia. Lutamos pela Federação
dos Estados Unidos Socialistas da Europa. Defendemos a solidariedade do
proletariado internacional: ucraniano, russo, polonês, alemão, etc.
A
proposta genérica de Frente Única com a Rússia é um crime, porque a embeleza
aos olhos do proletariado, cuja conscientização é o nosso objetivo permanente.
Não se admite política que obscureça essa consciência. Uma política geral de
Frente Única não se confunde com acordos práticos, que são admissíveis em
circunstâncias bem determinadas. Os bolcheviques combateram o governo de
Kerensky que estava aliado ao general Kornilov. Quando esse general atacou o
governo Kerensky, defenderam esse governo contra Kornilov. Em outubro de 1917,
promoveram uma insurreição novamente contra ambos, o governo Kerensky e os
amigos de Kornilov. As mudanças táticas atendiam à realidade prática. Jamais
propuseram, em princípio, a Frente Única com o governo contra a direita
militar. Seria um crime atar-se as mãos antecipadamente, como o é hoje a
proposta por parte da esquerda de Frente Única com a Rússia. Não menos criminoso
é o apoio ao golpe. O “combate” dessa outra esquerda ao fascismo é uma fraude
porque apoiaram todo o processo que os levou ao poder, cujo resultado era
previsível. A vitória do golpe não poderia ter tido outro desfecho. Tornaram-se
colaboracionistas do imperialismo ocidental, da mesma forma que os outros
colaboram com o regime russo.
Alguém
diria que o combate ao imperialismo de conjunto não é realista porque não
oferece uma alternativa imediata. Na prática, não existiria uma terceira via. Seria
omitir-se no combate ao imperialismo hegemônico. De nossa parte, sabemos que a
alternativa socialista depende de um longo processo. Mas o fato de não termos
alternativa imediata não significa que devamos iludir o proletariado com um
“mal menor” imperialista, no caso, o russo. Não propomos milagre, nem ilusões.
Mostramos o longo caminho a ser percorrido, a dura realidade. Propomos a luta
de classes, não a revolução imediata. Não é utopia, nem omissão. É preferível
uma longa luta à uma ilusão passageira.
A
nossa política para a Ucrânia não é a mesma para Síria. Esta, deve ser
defendida incondicionalmente. Na guerra civil síria estão também presentes os
dois imperialismos, EUA e Rússia. Acontece que a presença russa na Síria é
secundária, não se dá na condição de imperialismo dominante, como na Ucrânia. O
caráter da guerra civil síria não é determinado pela influência russa. A
Ucrânia tem uma relação de dependência em relação à Rússia que não tem a Síria.
Faz parte do seu quintal. São realidades muito diferentes. Na Síria, o
determinante é a agressão imperialista através dos chamados rebeldes. É
obrigatória a defesa da Síria, como nação oprimida. A vitória de uma
semi-colônia é sempre o mal menor. Não existe mal menor no conflito entre dois
imperialismos. Nem todas as guerras são iguais. Existem as guerras de defesa
nacional e as guerras inter-imperialistas. A Síria pertence ao primeiro caso e
a Ucrânia ao segundo.
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