quarta-feira, 13 de abril de 2016

A PROPOSTA DE CONSTIUINTE E A DO MRT EM PARTICULAR

       O MRT (ex-LER e PTS, na Argentina) tem criticado a proposta de eleições gerais do PSTU, opondo à mesma uma Assembleia Constituinte Soberana, proposta para as mais diversas situações. Deduz-se, portanto, que essa proposta teria um mérito em si mesma, independentemente de conjuntura. Essa proposta também leva água ao moinho do impeachment e teoricamente é uma defesa da revolução democrática. A presente crítica toma como base o seu texto “A Assembleia Constituinte dentro do programa transicional dos revolucionários”, onde se lê: “Chama a atenção a dificuldade que a esquerda, como o PSTU e o PSOL, tem para entender a importância das consignas radicais no combate ao podre regime democrático burguês (como a Assembleia Constituinte), relegando-as a um completo esquecimento”.

A revolução democrática do MRT
        A Assembleia Constituinte proposta pelo MRT é uma defesa da revolução democrática. Defende a “democracia radical”, o questionamento apenas do “regime”, pretendendo “mudar as regras do jogo”. As consignas democrático radicais teriam uma importância decisiva na “perfuração da democracia dos ricos”. “A consequência do abandono dessa arma do arsenal marxista no seio da esquerda é debilitar ou mesmo negar a luta contra os regimes políticos burgueses, e a consequente adaptação a eles” (negrito nosso). O seu eixo é a luta contra o regime, porque “as massas vêem a necessidade de mudar o regime político, (mas) ainda não concordam com uma revolução”. Essa é a teoria revisionista de revolução de regime. Segundo o MRT, “podemos dizer que é preciso uma revolução que derrube o capitalismo. Mas como esta não está na ordem do dia, a luta seria por “mudar o regime”, instituir uma democracia radical, imposta pelo “combate”, ou seja, pela pressão das massas. Separa claramente a fase da luta pela “democracia radical” daquela pela revolução socialista: no caso dessas consignas se “imporem pelo combate, a classe operária estaria em melhores condições para lutar por outro sistema político que exproprie os expropriadores”. Propõe, portanto, a revolução por etapas, primeiro a revolução democrática, depois a revolução socialista, onde o “combate” substitui a insurreição. 
        Segundo o autor, “para Trotsky, portanto, as consignas democráticas radicais possuem uma articulação estratégica indissolúvel com a teoria da revolução permanente”. Exatamente. Trotsky muitas vezes defendeu as propostas da democracia burguesa (China, Espanha, França), mas nunca as defendeu como etapa anterior à revolução proletária e nunca as desvinculou das bandeiras exclusivas do proletariado (armamento, milícias, controle operário da produção, comitês de fábrica, luta pelo poder). A teoria da revolução permanente unifica a luta pela democracia com a luta pelo socialismo através da ditadura do proletariado. Ao contrário, a proposta de Constituinte do MRT não seria convocada por um governo proletário. Pretende fazer “uma experiência com os próprios limites da democracia dos ricos”.
        Para Trotsky, a defesa das bandeiras democráticas se explica por aquilo que têm de progressistas e exclusivamente quando servirem para avançar a consciência do proletariado. Não visam instaurar um regime democrático radical, mas preparar a revolução socialista. Na época de Lênin e Trotsky, em muitos países atrasados, não em todos, estava na ordem do dia a revolução democrática: independência nacional, expropriação do latifúndio semi-feudal, derrubada das monarquias e instauração da república. Hoje, permanece a luta contra o imperialismo. O capital financeiro domina a economia mundial, inclusive, nos países mais atrasados. Não existe mais latifúndio semi-feudal. Algumas reivindicações democráticas mantém importância, mas as reivindicações transitórias ou tipicamente socialistas passaram a preponderar. Não existe mais revolução democrática e muito menos separada da revolução socialista.

O uso indevido dos clássicos
        No seu livro O Estado e a Revolução, Lênin teria “resgatado”, com base nas lições da Comuna de Paris (1871), segundo o MRT, as bandeiras democrático radicais que “significavam uma passagem da democracia burguesa para a democracia dos trabalhadores”. Não é de Lênin a concepção de “passagem” orgânica da democracia burguesa para a democracia do proletariado, mas de Bernstein, para quem o socialismo seria a consequência do desenvolvimento natural da democracia burguesa. Na Comuna, a democracia dos trabalhadores não foi, em primeiro lugar, a consequência das medidas “democrático radicais”. As medidas democrático radicais da Comuna foram a consequência da insurreição proletária vitoriosa.
        A experiência da Comuna não avaliza a proposta de Constituinte, como pretende o MRT: “A Comuna foi constituída por conselheiros municipais eleitos pelo sufrágio universal nos diferentes bairros de Paris. Eram responsáveis e a todo tempo revogáveis”. “É esse, justamente, um caso de transformação de quantidade em qualidade: a democracia realizada tão plenamente e tão metodicamente quanto é possível sonhar-se tornou-se proletária de burguesa que era” (Lênin - O Estado e a Revolução). Por transformação de quantidade em qualidade se entende uma ruptura, cuja causa primeira, é a insurreição, e a democracia radical a consequência. Lênin inicia esse livro falando daqueles que, após a morte dos grandes revolucionários, os canonizam, “para consolo das classes oprimidas”, enquanto “castram a substância do seu ensinamento revolucionário”. O MRT, como a maioria da esquerda, castra a “substância” do marxismo: somente a insurreição proletária de armas na mão emancipa a sociedade do capitalismo. Não é verdade que as “medidas democráticas simples e evidentes por si mesmas, servem de ponte que conduz do capitalismo ao socialismo”. Não existe tal ponte. Entre o capitalismo e o socialismo permeia um abismo, somente transposto pela insurreição proletária.
        Trotsky não se utilizou das bandeiras democráticas “para dinamizar a tática de frente única operária contra a ofensiva dos capitalistas e ‘perfurar’ as instituições da democracia”. Para ele, as consignas democráticas visavam retirar as massas atrasadas da influência dos partidos burgueses. Não pretendia “dinamizar” a frente única, mas desmascarar a frente única na forma de frente popular, que traía essas mesmas bandeiras. Também não pretendia “perfurar as instituições da democracia”, mas destruí-las, vinculando as reivindicações democráticas com o armamento do proletariado.

A proposta de Assembleia Constituinte
        Essa proposta depende de um componente histórico e outro conjuntural. O método marxista analisa a história e a realidade imediata. A Assembleia Constituinte é uma tarefa tradicional da revolução burguesa, com a queda das monarquias e diante da ausência de tradição democrática anterior. Também se pode reivindicá-la quando da queda de uma ditadura militar, por exemplo. Em qualquer situação, depende da análise concreta da conjuntura. Não há uma fórmula geral que a justifique, independentemente do seu papel para a luta de classes: se serve para elevar a consciência do proletariado, mobilizá-lo e retirá-lo da influência dos partidos burgueses.
        Os bolcheviques propuseram a Constituinte num momento revolucionário, anterior à queda da monarquia. Quando o partido liberal passou a defendê-la, Lênin considerou que a sua proposta de Constituinte visava apenas chegar a um acordo com a monarquia. Por esse motivo, colocou em primeiro plano a defesa de um Governo Provisório Revolucionário, saído de uma insurreição proletária: “Para estabelecer uma nova ordem de coisas que expressem efetivamente a vontade do povo, não basta chamar Constituinte à Assembleia representativa. É preciso que dita Assembleia tenha poder e força para constituir... É de uma necessidade imperiosa indicar as condições em que a Assembleia Constituinte nominal se pode converter em Assembleia Constituinte efetiva, já que a burguesia liberal, personificada no partido monárquico constitucional, falseia deliberadamente... a palavra de ordem de Assembléia Constituinte de todo o povo, reduzindo-a a uma frase vazia” (Lênin - A questão da Constituinte).
        Trotsky também levantou essa bandeira para a China da década de 1920, que, diferentemente da Rússia, passava por um período de derrotas. Como palavra de ordem de propaganda não exigia as mesmas pré-condições, as quais se colocariam na ordem do dia no momento oportuno. Rússia e China eram países sem tradição parlamentar.
        Hoje, a sociedade conta com uma secular tradição de parlamentarismo, que já demonstrou a sua falência histórica. Ao contrário do que afirma o MRT, essa proposta não se justifica mais em nome de ilusões parlamentares. Para a maioria, estas já não existem. Não é verdade que essas palavras de ordem da democracia radical devam ser privilegiadas em relação às reivindicações próprias do proletariado (específicas, transitórias e abertamente socialistas), de tal maneira que suponha a necessidade de uma fase democrática, como pretende o MRT. Não estamos mais na fase da revolução democrática.  
        Há mais de ano vimos crescer o golpe institucional. Os trabalhadores estão na defensiva. A burguesia ataca em todos os campos. Somente essa direita está em condições e na iminência de derrubar o governo. Neste momento, qualquer palavra de ordem institucional para a agitação imediata, mesmo que aparentemente radical (Eleições Gerais, Constituinte), mas sem condições de ser efetivada pelos trabalhadores, fortalece as pretensões golpistas dessa direita.