sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

CHARLIE HEBDO: UMA PROVOCAÇÃO IMPERIALISTA

        Rapidamente a policia francesa identificou, perseguiu e assassinou os irmãos Said e Chérif Kouachi, tidos como autores do atentado contra a revista Charlie Hebdo. Teria encontrado estranhamente uma carteira de identidade deles num veículo.  Os irmãos eram velhos conhecidos dos serviços secretos franceses, que provavelmente os tenha recrutado para servir à guerra colonialista da França na Líbia e Síria. A mulher de um deles conseguiu furar o bloqueio da segurança e logo apareceu na fronteira da Turquia com a Síria. Um dos implicados no massacre já teria sido recebido em audiência por Sarkozy. Esses e outros fatos são muito estranhos.
        Publicações e personagens vinculadas ao próprio imperialismo (Paul Craig Roberts, ex-secretário do tesouro americano, Julian Assange e outros) afirmam tratar-se de um atentado de “bandeira falsa”, uma provocação do próprio imperialismo. Atentados de “bandeira falsa” têm sido uma constante nos últimos anos para acusar os seus inimigos: o abate do avião de passageiros pelo governo ucraniano, para implicar a Rússia; o massacre por armas químicas na Síria pelos “rebeldes” pró-Estados Unidos, para acusar Assad. Historicamente sabemos que quase todas as guerras são provocadas por atentados de “bandeira falsa”.
        A versão apresentada pelo governo francês não merece credibilidade. No momento em que foram assassinados, os irmãos Kouachi estavam cercados e não possuíam reféns. Porque não foram capturados vivos? A forma da sua morte caracteriza uma típica queima de arquivo. O que poderiam contar? Que provavelmente agiram a mando do Mossad e da Cia? Ou poderiam negar o assassinato? Nesse caso, ficaria evidente a participação dos serviços secretos. Essa hipótese seria reforçada pelo depoimento do policial muçulmano assassinado antes de morrer ao seu irmão de que não se tratavam de muçulmanos.
        A AL-Qaeda do Iêmen assumiu a autoria do atentado, coisa que não contraria as hipóteses anteriores. As autoridades e a imprensa afirmam que o atentado foi obra de “terroristas islâmicos” para vingar a honra do islã e de Maomé, ultrajadas pelas charges da revista. Nem a autoria da AL-Qaeda nem a hipótese de ato isolado de muçulmanos  anulariam a responsabilidade do imperialismo, como legítimo pai de toda a barbárie terrorista, e que continua a seu serviço. E porque direta ou indiretamente teriam deixado o massacre acontecer já que conheciam todos os passos dos irmãos Kouachi.
        Os cartunistas pagaram o preço da provocação imperialista contra os muçulmanos. As evidências do massacre trazem o DNA dos serviços secretos ocidentais. Existe quem alegue que o atentado teve o objetivo de enquadrar ainda mais a França às ordens dos Estados Unidos, já que havia declarado apoio ao Estado Palestino e reclamava das sanções à Rússia.

O significado do massacre
        O atentado à Charlie Hebdo somente beneficia o imperialismo, e particularmente o fascismo europeu, favorece a sua ofensiva contra os povos, tendo como “bode expiatório” o terrorismo “islâmico”. O colapso da União Soviética eliminou o espantalho do comunismo a justificar a sua política belicista de interesse da indústria armamentista, pilar da economia capitalista. Foi necessário criar um novo inimigo imaginário, aquilo que foi batizado como o inimigo “islâmico”. Para justificá-lo criou-se a teoria do choque de civilizações: de um lado a civilização ocidental, cristã e democrática e, de outro, a civilização islâmica, fundamentalista e bárbara. Isso é uma farsa em todos os sentidos. Não por acaso, a civilização muçulmana está assentada sobre as maiores jazidas de petróleo e gás do planeta.
        Originalmente, a civilização islâmica foi muito mais tolerante que a civilização cristã. Foram os primeiros a abolir a escravatura, mil anos antes que o ocidente. Viveram em harmonia com as outras religiões (cristãos e judeus) na península ibérica, que dominaram por oitocentos anos, e no próprio oriente médio. Até recentemente dominava no mundo árabe o pan-arabismo laico de Nasser. A OLP é laica, assim como o foram as ditaduras do Sha do Irã, de Sadan Hussein no Iraque, de Kadafi na Líbia e como o é a de Baschar al Assad, na Síria. O fundamentalismo islâmico se restringia à Arábia Saudita, que patrocinava a seita salafista wahabi. O crescimento do fundamentalismo é fenômeno recente, junto com seu apêndice terrorista: AL-Qaeda, Estado Islâmico, al Nusra, etc.
        Na metade do século XX, os Estados Unidos haviam favorecido a criação da fundamentalista Irmandade Muçulmana, no Egito (que se espalhou para outros países), para combater o nacionalismo nasserista. Na década de 70, criou e armou o Taliban e a AL-Qaeda, para se opor à União Soviética no Afeganistão. A partir daí, os petrodólares da Arábia Saudita, aliada dos Estados Unidos, são postos a serviço da expansão desse fundamentalismo e da criação de verdadeiros exércitos mercenários para intervenção em qualquer país que contrarie os interesses do império. Assim foi feito na Chechênia, Iraque, Líbia, Síria, Nigéria (Boko Haran), Ucrânia. Todos os países invadidos por razões “humanitárias” viraram terra arrasada, campos de concentração e cemitério de milhões de pessoas (Afeganistão, Líbia, Iraque), entregues à sanha desses grupos terroristas, que dizem combater.
        Após 11 de setembro/2001, os Estados Unidos e seus aliados vassalos anunciaram a guerra ao “terrorismo mundial”. Invadiram o Afeganistão, Iraque, Líbia e acossam a Síria. Apesar de terem deposto o Taliban, matado Bin Laden e recentemente alegarem combater o Estado Islâmico, o terrorismo e o imperialismo não estão em lados opostos. O ocidente imperial necessita do terrorismo tanto como amigo quanto como inimigo. Como amigo, o usa contra a Rússia, Líbia, Iraque e Síria. Como inimigo, serve para justificar guerras de interesse da indústria da morte. É um jogo duplo, cínico e macabro. Os Estados Unidos lideram uma ampla coalizão contra o Estado Islâmico e este, milagrosamente, continua a avançar. Existem diversas denúncias de que os Estados Unidos continuam ajudando o EI, a mais recente feita pelo parlamento iraquiano. Além da Arábia Saudita e Catar, tradicionais financiadores do terrorismo, Turquia e Israel também lhe dão cobertura.
        Os atentados terroristas promovidos por esses grupos mercenários, não se explicam apenas pelo ódio de indivíduos tresloucados, indignados pela barbárie cometida contra os povos muçulmanos, como a imprensa divulga. Esses grupos são dirigidos por mercenários a serviço do imperialismo e os seus atentados terroristas são decididos nos altos escalões dos serviços secretos ocidentais (CIA, M16, Mossad, etc.). Têm um objetivo friamente calculado: justificar guerras, alimentar o ódio aos imigrantes, favorecer a direita fascista européia e alimentar a suposta “guerra de civilizações”, insinuando que a barbárie é uma característica de todo o islã. O inverso não é verdadeiro. Jamais se atribui ao cristianismo o terrorismo fascista europeu, tal como o assassinato de 77 pessoas pelo norueguês Breivik.
        Não é mero acaso os atentados serem revestidos de requintes cruéis, como as decapitações promovidas pelo Estado islâmico. Pretendem propositalmente propagar o medo e a revolta contra a civilização islâmica em geral. Não é o islã o responsável por essa barbárie, mas os seus inimigos internos travestidos de seguidores de Maomé, que em público ajoelham-se em direção a Meca e em privado acendem velas para o diabo.

Quem é Charlie Hebdo?
        As charges da Charlie Hebdo nada tem a ver com o massacre, a não ser como pretexto. Mas existem os que consideram as ofensas ao islã a razão do atentado, mesmo que injustificada. Abre-se uma discussão sobre a liberdade de imprensa, os limites da sátira e o respeito às religiões. Somos de opinião de que não existe liberdade de expressão no abstrato. No capitalismo, os meios de comunicação estão na mão de monopólios privados, agentes da mentira e da lavagem cerebral dos povos. Liberdade de imprensa é sinônimo de manipulação do povo. Lutamos pela ampliação das liberdades para os trabalhadores, porque, em geral, a burguesia já tem a sua liberdade garantida. A liberdade de expressão faz parte da luta de classes e com esse critério devemos julgar as suas charges.
        Existem aqueles que consideram a Charlie Hebdo uma revista de esquerda, irreverente, contestadora das religiões em geral, inimiga do capitalismo e do fascismo. Para nós, ao contrário, está a serviço do colonialismo francês. Reconhecemos as suas opiniões laicas, antifascistas e anticapitalistas, mas o seu verdadeiro papel é determinado pelo conjunto da sua obra. Não defendemos a censura prévia, mas temos o direito de criticar aqueles que sustentam o imperialismo por traz de uma fachada liberal e anti-religiosa. É consenso que a ênfase maior da revista é a ridicularização do islamismo e de seu profeta Maomé. Essa crítica feita na França onde os descendentes de imigrantes árabes são uma minoria oprimida, alvo do ódio da Frente Nacional, reforça esse fascismo.
        Os cartunistas deviam saber que a sua sátira levava água ao moinho da direita anti-imigrante. Não por acaso, toda a burguesia imperialista uniu-se sob o lema: nós somos Charlie, e pela liberdade ilimitada de crítica. A mesma liberdade que negam à crítica ao sionismo. É uma ironia cruel ver abraçados os maiores verdugos da liberdade em nome da defesa dessa mesma liberdade, que é negada aos imigrantes árabes na França com a proibição do uso do véu para as mulheres (proibir o véu é tão autoritário como obrigar o seu uso), proibição da reza em público dos muçulmanos (ninguém proibiu as procissões católicas) e dos atos em defesa dos palestinos, massacrados pelo assassino Netanyahu. Os milhões de franceses que se manifestaram em nome do “somos todos Charlie”, não se lembraram dos povos árabes e africanos, invadidos pela França (Líbia, Mali, Iraque, República Centro Africana) e não derramaram uma lágrima pelos milhares de muçulmanos mortos pelas valentes armas francesas.
        O marxismo entende que o inimigo principal está em casa. Para os trabalhadores e a verdadeira esquerda francesa, o inimigo principal é o colonialismo francês, e não os imigrantes muçulmanos e muito menos a religião islâmica. Argumenta-se que seria um direito democrático a sátira às religiões em geral e ao islamismo em particular.  Charlie Hebdo não critica o terrorismo travestido de islâmico, mas a religião islâmica e o profeta Maomé. Vincula subliminarmente o islamismo ao terrorismo. Não é uma crítica séria à religião, mas uma posição política conveniente à xenofobia antimuçulmana. Esculachar Maomé em nada questiona os defeitos do islamismo, é apenas uma provocação ao povo muçulmano.
        A crença no sobrenatural é inerente ao homem primitivo, o reflexo do seu desamparo diante das forças da natureza, segundo Freud. As religiões interpretam cada qual a seu modo, a suposta vontade divina. São uma espécie de procuradores de Deus na terra. Cada religião institui os seus dogmas e códigos morais, que geralmente se adaptam à cultura de cada época. O fundamentalismo consiste na tentativa de regredir a roda da história aos dogmas originais. As religiões substituem a luta pela justiça terrena pela promessa do paraíso no céu. Nesse sentido, são o ópio do povo.
        Criticamos as religiões respeitando os sentimentos religiosos do povo. Declaramos inaceitáveis as práticas religiosas que contrariem os princípios básicos da civilização, já consagrados. Por exemplo: o sacrifício de crianças, a mutilação sexual das mulheres, o racismo, o machismo, a vinculação da igreja ao Estado, etc. O fundamentalismo islâmico tenta reintroduzir o islamismo como religião do Estado e a sharia como norma. O sionismo judeu considera os judeus o “povo eleito”, os demais seriam cidadãos de segunda classe. Recentemente, Israel foi declarado Estado judaico, excluindo da cidadania plena os cidadãos árabes de Israel. Combatemos, particularmente, o papel político das igrejas, que em geral atuam como partido político da burguesia.
        A propaganda é um método secundário na crítica às religiões. Apenas a luta de classes pode emancipar o proletariado das suas misérias terrenas, criando as condições para que dispensem a bengala religiosa. Essa luta requer a unidade de todo o proletariado, crentes e ateus. Não por acaso, a burguesia tenta dividi-los instigando o ódio religioso. Todo aquele que coloca querelas religiosas bizantinas acima da luta de classes presta um serviço à burguesia.