Dilma venceu as eleições por pequena margem e comandará um
governo fraco e de crise. As bancadas do PT e aliados diminuíram e a composição
do futuro congresso é ainda mais reacionária. Os trabalhadores decepcionaram-se
com o PT, que os traiu. A maior parte da pequena burguesia votou em Aécio e
também o proletariado, em grande parte. Dilma perdeu em todos os redutos
proletários importantes. Manteve o voto crítico de uma parte dos trabalhadores
e principalmente segurou-se na população mais excluída através do Bolsa
Família. Marina Silva pintou como alternativa para os descontentes, mas foi com
muita sede ao pote no afago à burguesia. Aliou-se à oligarquia nordestina
(Eduardo Campos) e aos banqueiros (Itaú). Defendeu a autonomia do Banco
Central, os planos de arrocho e se identificou com o reacionarismo pentecostal.
Foi “desconstruída” tanto por Dilma quanto por Aécio.
Fala-se de uma onda conservadora. O avanço do
conservadorismo é um fenômeno mundial e tem causas concretas. A crise
econômica, os planos de arrocho, a retirada de conquistas e o desemprego levam
as massas ao desespero. A polarização política abre duas possibilidades: a
reação burguesa ou a revolução social. Como a última alternativa está fora de
cogitação em curto prazo, pelas derrotas
do proletariado, pela ausência de uma direção revolucionária e o fim momentâneo
das esperanças no socialismo, somente resta a última, a reação burguesa: a
demagogia de direita e o fascismo. Na ausência de inimigos reais, a direita os
fabrica. Ressuscita o fantasma do comunismo. Todos os movimentos sociais são
associados a ele: as greves, o movimento da juventude, movimento gay,
feminista, camponês, indígena, negro. Os imigrantes, os nordestinos e os pobres
são declarados também inimigos e associados à criminalidade. Quanto a esta, a
direita cria o problema e oferece a solução: a redução da maioridade penal, o
fim do estatuto da criança e do adolescente, a repressão policial.
As
recentes eleições representaram um caso particular desse fenômeno. O PT é
indevidamente associado à esquerda e ao comunismo, ou ao bolivarianismo. Criticam o bolsa família que induziria à
acomodação. Ninguém questiona o bolsa banqueiro, dezenas de vezes maior. Esse
fantasma em torno do PT não corresponde à realidade. O PT não se apõe à reação
burguesa, é refém e cúmplice dela. Isso fica claro mais uma vez na provável
composição do novo ministério: Armando Monteiro (ex-presidente da Confederação
Nacional da Indústria-CNI); Kátia Abreu (presidenta da Confederação Nacional da
Agricultura-CNA); Joaquim Levy, conhecido como “mão de tesoura” (banqueiro,
ex-secretário de Lula, de Pedro Malan, membro da equipe que elaborou o programa
econômico de Aécio). Sua missão é clara: implementar a recessão, os juros
altos, o arrocho salarial, o desemprego, a retirada de direitos sociais (cortes
no seguro desemprego, nas pensões por morte e no abono salarial).
Dilma se diferenciou demagogicamente de Aécio
pela esquerda, falando contra os banqueiros, Armínio Fraga e a recessão. Isso
lhe rendeu frutos eleitorais. Dentro do PT, uma ala assalariada, pretensamente
progressista, alimenta essa falsa contraposição entre PT e PSDB, atribuindo ao
PT um programa desenvolvimentista. Isso não é verdade. Passadas as eleições,
esse “estelionato” se evidencia na composição do ministério. O PT sempre foi um
peão do liberalismo. Lula inaugurou o seu primeiro mandato com uma política
escandalosamente liberal, posta em prática pelo trio: o mesmo Joaquim Levy,
Antônio Palocci e o banqueiro Henrique Meirelles. Foi o paraíso dos banqueiros:
a taxa Selic foi jogada para as alturas (26%, mais que o dobro da atual); 4,5%
de superávit primário, cortes impiedosos de gastos. O crescimento econômico da
época aconteceu apesar dessa política liberal. Ou, mais exatamente, foi a variante
mais favorável do liberalismo numa conjuntura propícia. A economia mundial
galopava (4,5% ao ano), puxada pela China (11%), grande consumidora de produtos
primários (commodities), cujos preços estavam muito altos.
O
Brasil surfou nessa onda, a qual mais do que compensou a sua política recessiva
interna. Colheu o bônus circunstancial de ser uma semi-colônia, baseada na
produção agrícola e mineral. É verdade que Lula aumentou o salário mínimo e
ampliou o Bolsa Família. Isso somente foi possível pelas circunstâncias
internacionais favoráveis, que não existem mais. A crise econômica, de
marolinha virou tsunami. A economia mundial vive uma recessão prolongada. O
crescimento chinês reduziu-se quase pela metade. Devemos agora encarar o lado
perverso da condição de semi-colônia. Não haverá ampliação do assistencialismo,
mas o contrário. Espera-nos o arrocho liberal de Joaquim Levy, sem qualquer
contrapeso.
O
movimento da juventude de 2013 já foi um sintoma desse mal estar social. Esse
movimento foi abortado por um misto de repressão, provocação e demagogia. Os
governos, tanto do PT, como do PSDB e PMDB, reprimiram selvagemente as
manifestações pacíficas e deixaram correr soltas as depredações, que eles
mesmos promoveram através de infiltrados, e também promovidas por alguns
ingênuos úteis. O resultado foi o seu esvaziamento. A população voltou-se
contra o movimento porque o identificou com o quebra-quebra. Hoje a direita
colhe os frutos eleitorais do medo que plantou, elegendo pastores demagogos e a
bancada da truculência.
Não haverá golpe
Existe
no mundo uma montanha de capitais ociosos, agravada pela recessão. A sua
ojeriza ao risco, os leva a abrigar-se sob as saias largas do Estado. A
especulação financeira, protegida pelo Estado, é o modo de existência do
capital. Esse capital especulativo exige de Dilma juros altos, aperto fiscal
para pagar os juros da dívida, da qual é credor, e planos de arrocho para
favorecer a competição internacional. Diligentemente, Dilma colocou-se a postos
para cumprir essas ordens e anunciou o trio perverso na gestão da economia,
para não deixar dúvidas. Com isso, espantou as ameaças de desestabilização da
direita tradicional, pronta para mostrar também os seus serviços. Essa direita
não está disposta a aventuras porque a conjuntura não favorece e porque não
precisa. Dilma fará o dever de casa. Não existem condições para golpe militar e
nem mesmo para impeachment. Não há disposição nem unidade da direita nessa
questão. O PDSB não se beneficiaria diretamente disso. Ventila-se a não
aprovação das contas eleitorais de Dilma pelo TSE, que levaria à novas
eleições. Isso poderia beneficiar o PSDB, mas seria uma aventura com
conseqüências incertas e, portanto muito improvável.
Não haverá golpe. A burguesia prefere guardar essa arma para
melhor oportunidade. O segundo governo Dilma será de crises econômicas e
sociais. As lutas sociais aumentarão. A sociedade se dividirá ainda mais entre
campos opostos. Os trabalhadores enfrentarão uma maior repressão comandada pela
unidade dos partidos burgueses (PT, PSDB, PMDB, etc.). O panorama internacional
também é de radicalização política. O futuro é incerto, mas nada está decidido
de antemão. Devemos nos preparar para ele organizando e conscientizando os
trabalhadores, dizendo a verdade como ela é e declarando guerra às ilusões.
A operação Lava Jato
Essa investigação nada tem de moralizadora. É uma briga entre
facções da burguesia (PT, PP, PMDB e PSDB) e serve aos interesses do
imperialismo, que pretende enfraquecer e privatizar integralmente a Petrobrás. Não
lhe interessa a construção de novas refinarias, mas que o Brasil continue
exportando petróleo bruto. Também chantageia e paralisa o governo e a economia.
A corrupção na Petrobrás vem de longa data. A propina é uma instituição do
Estado, o seu modo normal de funcionamento. Os partidos passam uns para os outros
a chave do cofre. Como disse o advogado de um acusado: não existe obra sem
propina. A corrupção é inerente ao capitalismo, um não vive sem o outro.
A operação Lava Jato não visa apurar a corrupção
desconhecida, mas chantagear com a já sabida. O fio da meada começou com a
investigação acerca do doleiro Alberto Youssef, não por acaso também personagem
de outros escândalos, como o do Banestado, nos anos 90. Apesar disso,
continuava solto e praticando a mesma atividade. Esse personagem serviu a todos
os governos, desde FHC. A investigação, que corria em segredo de justiça, vazou
seletivamente às vésperas da eleição, apenas envolvendo o PT. Esse vazamento
foi protagonizado por delegados e promotores tucanos, que por ser parcial e em
vésperas de eleição caracterizou uma tentativa de golpe eleitoral, que foi
denunciado por Dilma. Passada a eleição, o governo usa essa mesma operação para
contra-atacar, também envolver o PSDB e subsidiariamente enfraquecer os seus
aliados incômodos, o PMDB e a ala petista concorrente.
Essas escaramuças têm limites estreitos. Não podem ir muito
longe sem comprometer o conjunto do regime, do qual todos fazem parte. Existe
uma centena de políticos comprometidos, de todos os principais partidos. Serão
acobertados pela instituição da impunidade recíproca conhecida como foro
privilegiado. A grande novidade é a prisão dos corruptores, os responsáveis
pelas empreiteiras. Isso, quem sabe, interesse a quem aposta na paralisação das
obras. No fundo, é mais um jogo de cena. Neste momento, provavelmente já exista
um acordo para o acobertamento entre as partes (PT, PP, PSDB e PMDB), pondo
limites na investigação, o que não exclui que a briga sobre certos aspectos
continue.
Na ampla mesa dos réus, está vazia a cadeira do criminoso
principal, o sistema financeiro: máquina de lavagem de todo o dinheiro sujo do
mundo. Não por acaso, ninguém põe a mão nos bancos suíços e nos paraísos
fiscais. Quanto às empreiteiras, a maior corrupção não está nas propinas e no
superfaturamento das obras, mas nas obras em si. Estas não são, como se pensa,
decididas pelo governo em função de interesses sociais e econômicos, mas pelas
empreiteiras, que de fato representam o verdadeiro ministério do planejamento.
Elas apresentam ao Estado o seu plano de obras no qual a sua finalidade (produção
de energia, petróleo, etc.) é uma questão secundária. O que importa são os
custos exorbitantes da obra, que quanto mais difícil e cara melhor. Conta-se
que certo ministro da ditadura recebeu o representante de determinada
empreiteira que lhe apresentou uma proposta de construção de um túnel
subterrâneo ligando São José do Norte a Pelotas. O ministro teria respondido:
com esse dinheiro eu troco a cidade de lugar. Certamente, essa atitude foi uma
exceção. Isso ilustra a relação promíscua entre empreiteiras e o governo,
qualquer que seja. Serve também de retrato do capitalismo na sua fase
decadente: corrupto, ineficiente, especulativo e parasitário.