domingo, 29 de setembro de 2013

AS JORNADAS DE JUNHO


A juventude levantou-se contra a falta de perspectivas, convocada pelos Fóruns de Luta: desemprego, baixos salários, péssimos serviços públicos. Não foi um “raio em céu sereno”, mas uma revolta acumulada. Não foi um movimento espontâneo porque convocado e foi espontâneo porque extrapolou a influência dos convocantes. Também não era espontaneamente anticapitalista ou antiestatista, como afirmam alguns anarquistas, que exageram o papel da espontaneidade. Também o PSTU afirma que as reivindicações imediatas são objetivamente anticapitalistas. Não é verdade que os atos não foram dirigidos. Não houve uma direção hegemônica, mas houve direções.
            O movimento foi disputado por três setores: pelo governismo (PT, CUT, UNE, PC do B), pela direita fascistizante (PSDB, Globo, SBT, Record, grupos fascistas e a polícia) e por grupos reformistas (PSOL, PSTU, anarquistas, entre outros). O governo tentou desviá-lo com a sua proposta de reforma política (constituinte, plebiscito, financiamento público de campanha, etc.). A CUT e as centrais pelegas realizaram os atos de 11/07 e 30/08 em apoio à reforma política. O PSTU criticou essa reforma, mas participou dos atos da CUT em sua defesa, assim como o PSOL, como se fosse possível disputá-los. De um lado, o governo acenava com a isca da reforma política e, de outro, o reprimia brutalmente.
            A direita tentou dirigir o movimento inoculando o vírus do nacionalismo, levantando bandeiras contra o governo (contra a corrupção, prisão para os mensaleiros, Fora Dilma), contra a PEC 37 e expulsando a esquerda de alguns atos. Alguns anarquistas afirmaram o absurdo de que esse nacionalismo, inculcado pela direita, era progressista. Em nome dele a direita expulsou a esquerda dos atos, levou a massa a cantar o hino nacional e saudar a bandeira diante da FIESP. 
            A direita e o governo estão unidos na repressão, servem aos mesmos senhores, mas são alas distintas do grande capital. A direita não “engole” a demagogia populista da Frente Popular (Bolsa Família, vínculo como MST, UNE). Não ver esse conflito é colocar viseira, da mesma forma que exagerá-lo. É comum alegar-se o perigo da direita para justificar o apoio ao governo. Em junho, a direita tentou desgastar o governo Dilma com o combate à corrupção, traduzida na denúncia do mensalão, ou seja, do PT. Tinha um objetivo eleitoral, mas jogava também com a carta do impeachment, daí o Fora Dilma. Parte da esquerda agitou o fantasma do golpe militar, quando não havia condições para isso. Mas não se podia ignorar a direita, como fizeram alguns anarquistas. Também afirmaram que “não é hora de dirigir o povo, mas de aprender com ele”, contra censo absurdo num momento em que o movimento estava sendo dirigido por uma ou outra fração da burguesia.
            Para o anarquismo a idéia de direção das massas seria um princípio marxista autoritário. Estas não deveriam ser dirigidas, mas suas ações “potencializadas por meio de uma teoria, estratégia revolucionária e programa reivindicativo”. Admitem assim que as massas não têm teoria, nem estratégia. Então, a vanguarda teria um papel na elaboração da estratégia, no que estamos de acordo. O conceito de direção nada tem de autoritário. Dirigir é propor democraticamente. As decisões da maioria são válidas para todos na luta de classe. Ao propor uma estratégia o anarquismo também se coloca como direção, embora rejeite o termo. A maioria não tem autoridade para impor a sua vontade nas questões individuais: o indivíduo é livre na sua orientação sexual, na  opção religiosa, pensamento, etc. O mesmo não vale na luta de classes. A decisão por uma greve, numa assembléia representativa, é obrigatória para todos. A maioria tem legitimidade de impedir um fura greve de trabalhar. O anarquismo seria contra a soberania da maioria e chamaria isso de autoritarismo? A sua concepção de democracia, seria a liberdade irrestrita do indivíduo?
            A esquerda reformista desencadeou as mobilizações e as manteve dentro dos limites aceitáveis para a burguesia, que cedeu os anéis para preservar os dedos: anulou os aumentos das passagens e, com isso, tirou o tapete dos Fóruns de Luta, que passaram a reivindicar o passe livre, mas não propuseram a estatização do transporte ou qualquer forma de expropriação. Outros setores comprometeram o movimento com métodos de luta vanguardistas.

As reivindicações
            A anulação do aumento das passagens deu início à luta pelo passe livre. Em Porto Alegre, houve a ocupação da Câmara de Vereadores, e o encaminhamento de um projeto ilusório, prevendo que a burguesia custeasse o passe livre: taxação sobre o lucro das empresas e criação de um fundo para investimentos em transportes alternativos. O reformismo acha que a conquista do passe livre é mais fácil que a expropriação das empresas, por isso não propõe a expropriação. A luta por reformas (no caso, o passe livre) seria uma etapa anterior à luta pelo socialismo. Mas não é assim. No atual capitalismo decadente, de ofensiva pela retirada de direitos, as conquistas parciais importantes são cada vez mais difíceis. O capital encara propostas que diminuem os seus lucros como uma espécie de expropriação. As nossas reivindicações devem ter o objetivo principal de denúncia do capitalismo, de preparação para a conquista futura do poder. Por isso, não se devia desvincular a reivindicação de passe livre com a da expropriação das empresas, coisa que o bloco reformista negou-se a fazer, levantando a palavra de ordem demagógica e vazia de “por um transporte 100% público”.
            Para o anarquismo o Estado seria o inimigo principal, não o capital. Este, o capital, teria sido criado pelo Estado. Para o marxismo é o inverso: o capital é que criou o Estado. O capital é o inimigo principal. O anarquismo não concorda com a estatização porque é contra o Estado, mas não propõe qualquer tipo de expropriação das empresas, mesmo pelo povo. Em lugar disso, propõe a utopia liberal de “neutralizar ou desmontar o Estado capitalista”. A sua ojeriza pelo Estado não impediu que, em Porto Alegre, encaminhassem à Câmara um projeto de lei, onde constava a criação de um fundo público para financiar novos meios de transporte alternativos, ou seja, uma proposta de estatização desses futuros meios de transporte. Não propuseram a estatização das atuais empresas para não mexer nos interesses burgueses estabelecidos.
            Hoje, a bandeira do passe livre está sendo abandonada em favor de utopias reformistas: pela desmilitarização da polícia, combate ao militarismo. O reformismo sempre teve a pretensão de democratizar a repressão. O aparato repressivo é o cerne do Estado, não pode ser democratizado ou desmilitarizado. Dever ser destruído. Era também necessário organizar o movimento por local de trabalho e moradia.

A Frente Única e os métodos de luta
            Os Fóruns de Luta são uma frente única para organizar as atividades do movimento, um acordo pelo transporte público. Frente única é um acordo prático para ação de massas, diferente da concepção morenista (PSTU, PSOL), que a entende como uma frente em torno de um programa. A única condição de participação é o respeito ao acordo pontual. Publicamente cada organização fala em nome próprio.  O limite para as diferenças é a fidelidade à luta pelo transporte. Não é possível admitir no movimento quem o reprime: o PT e PSDB, por exemplo. A direita (PSDB) se fez presente nos atos públicos, mas não nos fóruns organizativos, mas os governistas foram admitidos. Recentemente foram expulsos do bloco de lutas, com o nosso apoio. Entretanto, permaneceram setores semi-governistas, que não se identificam publicamente como tais.
            Também são incompatíveis com o movimento métodos destrutivos, como é o caso dos ataques “aos símbolos da burguesia”. Não se trata da raiva compreensível de indivíduos agredidos pela repressão, mas uma tática calculada de quem acredita estar atingindo “o centro do poder”. O verdadeiro vandalismo é o da burguesia: destruição de favelas para servir ao capital imobiliário, destruição da Amazônia para servir às empreiteiras, etc. Mas a destruição dos “símbolos da burguesia” não lhe faz cócegas (método inconsequente, não ataca o poder, muito eficaz para indispor a população com o movimento). Entretanto, violenta é a polícia que ataca as manifestações, mesmo pacíficas.

            A massa não é pacifista, tanto que se mobilizou contra a repressão. Apoiou a resistência à repressão e repudiou o vanguardismo. As televisões tiraram proveito desses fatos para incentivar o pacifismo. Ninguém propôs atos de autodefesa, absolutamente  necessários contra a repressão, o que demonstra que a esquerda ou é pacifista ou inconsequente  A resistência deve derivar da lógica da mobilização e estar comprometida com ela. Não foi o caso. Os vanguardistas não consultaram ninguém. A polícia e os fascistas participavam do quebra-quebra. A burguesia precisava dos vanguardistas para justificar a repressão, indispor a população com o movimento e esvaziá-lo, como de fato esta acontecendo. Não igualamos essas atitudes ao vandalismo da burguesia. Defendemos esses companheiros da repressão, o arquivamento dos processos que sofrem, a liberdade dos presos políticos. A burguesia não tem autoridade para puni-los. Somos pela unidade do movimento. Mas foi essa inconsequência a responsável pela quebra da unidade. A massa desorganizada não pode contrapor-se a isso e abandonou a luta.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

FORA AS GARRAS IMPERIALISTAS DA SÍRIA


         O imperialismo ameaça bombardear a Síria, supostamente como castigo ao uso de armas químicas pelo regime. A verdade passa longe desse discurso. Todas as evidências apontam para a culpa do próprio imperialismo através dos chamados rebeldes, a seu serviço. Já é uma tradição o uso de provocações e pretextos para justificar as suas invasões. A Síria é a “bola da vez” na luta imperialista pelo domínio do mundo. Atiram na Síria mirando no Irã, Rússia e China. Obama anuncia que o bombardeio é apenas um “castigo moral” ao regime, que não visa a sua derrubada. A verdade é que não existem condições políticas para uma guerra de ocupação imediata. Além da oposição limitada da Rússia, existe o repúdio do povo americano e europeu a mais essa aventura. Não por acaso, o parlamento britânico votou contra a sua participação na guerra. O ataque anunciado visa impedir o avanço militar do governo Assad, debilitá-lo e preparar a vitória futura dos “rebeldes”.
        O proletariado internacional deve defender incondicionalmente a Síria, fiel às suas melhores tradições de defesa das nações oprimidas, independentemente das suas direções, ou seja, apesar do ditador Bashar Al Assad. Não se trata de saber quem é pessoalmente mais cruel. Não existe termo de comparação entre o poder de Obama, Cameron e Holande, de um lado, e o de Assad, do outro. O imperialismo é sempre o inimigo principal dos povos, centenas de vezes mais nefasto. Vejam o recente exemplo da Líbia. Acusaram Kadafi de genocídio por alegadamente ter matado cinco mil pessoas. Em represália, os bombardeios “humanitários” da OTAN assassinaram duzentos mil líbios. Hoje, as multinacionais petroleiras enchem os bolsos com o petróleo líbio, a verdadeira razão de tamanho “humanitarismo”.

A capitulação da esquerda
        Uma parte da chamada esquerda virou um braço do imperialismo. Exemplo disso é a política do PSTU (LIT) e CST (UIT) para a Síria. Dizem que existe “uma grandiosa revolução em curso” na Síria, que é preciso apoiar o povo sírio contra a ditadura de Assad. Esse apoio ao “povo sírio” se traduz no apoio aos “rebeldes” e à sua direção, a Coalizão Nacional Síria (CNS), e a seu braço armado, o Exército Sírio Livre (ESL). É uma completa fantasia a propalada existência de um movimento “rebelde” do povo sírio, independente dessa direção, armada e financiada pelo imperialismo através da Turquia, Arábia Saudita e Catar. Não existe esse suposto movimento revolucionário sírio, nem o movimento dirigido pelo CNS pode ser disputado.
        Quando o PSTU e a CST pedem “armas para os rebeldes” estão pedindo armas do imperialismo para o seu braço armado na Síria, o ESL. Mais de uma vez, pediram a intervenção externa, acusando o ocidente de “omissão” diante dos massacres promovidos pelo regime. Hoje, a sua bandeira de “não à intervenção imperialista” deve ser entendida como uma cortina de fumaça para encobrir o seu verdadeiro apoio a essa intervenção, expresso na palavra de ordem “Fora Bashar Al Assad”, porque concretamente o regime sírio somente pode ser derrubado, na atual conjuntura, pela intervenção estrangeira. A derrubada de Assad é uma tarefa dos trabalhadores, não pode ser delegada ao imperialismo.
        Existem outros grupos que cometem erros graves na questão Síria. Uns defendem uma espécie de neutralidade na guerra civil e outros prestam apoio político ao regime.

A neutralidade
         Os grupos “neutralistas” alegam que como se tratam de dois setores burgueses, deveríamos defender uma alternativa independente dos trabalhadores, a revolução socialista, não apoiando nem o regime nem os “rebeldes”. Efetivamente, em qualquer situação, devemos atuar de forma independente de todas as frações burguesas, visando o poder dos trabalhadores. Acontece que nem sempre estamos em condições de lutar pelo poder. No caso sírio, existe uma guerra civil entre um governo de uma semi-colônia e um exército mercenário armado pelo imperialismo. A situação concreta é: o que fazer na guerra entre essas duas forças burguesas, enquanto não estivermos em condições de lutar pelo nosso próprio poder? Nesse caso concreto, a vitória do governo, mesmo sendo uma ditadura, de uma nação oprimida sobre os prepostos do imperialismo é o mal menor. Essa neutralidade em nome da revolução proletária é uma política doutrinária que esconde uma capitulação ao imperialismo.
        Existe também outra variante dessa política neutralista. Esta afirma que se trata de uma luta inter-imperialista, porque os dois lados, o regime e os “rebeldes”, seriam apoiados pelo imperialismo, o primeiro, pelo imperialismo americano e europeu, e o segundo, pelo “imperialismo” russo e chinês. A ser assim, de fato, não deveríamos apoiar um imperialismo contra outro. Entretanto, essa análise tem dois erros graves. Primeiro, é duvidoso considerar a Rússia e a China como imperialistas. Segundo, mesmo considerando-as como tais, a política correta também não deveria ser de neutralidade.
        Rússia e China seriam, nessa hipótese, imperialistas de quinta categoria, comparadas ao poder dos imperialismos hegemônicos. Estão dando à Síria um apoio mesquinho. Não enfrentarão o ataque da OTAN, da mesma forma que se omitiram na Líbia. Nesse caso, o apoio da Rússia à Síria é algo secundário para a definição do caráter da guerra, ou seja, a Síria não é um regime preposto da Rússia como o é a Turquia dos Estados Unidos, por exemplo. Nessas condições, a luta da Síria contra os Estados Unidos, França, Israel, Turquia, Arábia Saudita, Catar, “rebeldes”, etc, continua sendo uma luta de independência nacional entre uma nação oprimida e o imperialismo, situação em que também não cabe neutralidade.

A defesa filo-castrista da Síria
        Existem alguns grupos “trotskistas” que confundem a defesa da Síria com o apoio político ao regime de Bashar Al Assad, embora neguem esse apoio que consiste no “embelezamento” do regime e em atribuir-lhe um caráter anti-imperialista. Usam eufemismos do tipo “todo apoio aos heróicos lutadores anti-imperialistas”, como se houvessem “lutadores anti-imperialistas” independentes do regime, como se não fossem o próprio regime. Mais do que o apoio a uma nação oprimida, apóiam um regime pretensamente nacionalista e anti-imperialista, coisa que o regime sírio não é ou há muito deixou de ser. Exigem armas do Irã, Rússia, China e Venezuela, o que é uma ilusão que não podemos alimentar. Devemos denunciar a omissão e covardia desses países, ao invés de fazer-lhes exigências vazias.
        Esses grupos defendem também uma Frente Única com o regime de Assad. Isso é admissível em princípio, mas na prática uma fantasia. Não existe partido marxista na Síria. Frente Única é um acordo prático entre forças políticas, por exemplo, entre um partido e um governo para a defesa do país. Nada disso é possível na Síria. Essa política fantasiosa e capituladora esconde uma omissão diante dos verdadeiros métodos de defesa da Síria. A sua política é semelhante à do castrismo.

Defender a Síria com os métodos do proletariado
        O proletariado internacional deve defender as semi-colônias agredidas pelo imperialismo com os seus próprios métodos e de forma independente: greves, agitação, propaganda, boicote, armamento próprio. Defender uma semi-colônia não implica apoiar politicamente a sua direção burguesa. A luta política interna continua inalterada. Não se abre mão de uma greve, nem da denúncia do regime, em nome da defesa nacional. A defesa da nação oprimida é incondicional, não depende de o regime ser ou não nacionalista.

            Infelizmente o proletariado sírio não conta com qualquer organização independente. Também não existem grupos marxistas na Síria. É preciso criar um movimento internacional em sua defesa. Os pequenos grupos marxistas, sindicatos combativos e outras organizações têm uma grande tarefa de agitação e propaganda contra a anunciada agressão imperialista, de denúncia da sua farsa humanitária, de esclarecimento das suas verdadeiras razões. A defesa da Síria é incompatível com qualquer apoio aos “rebeldes” sírios, agentes da intervenção estrangeira. Devemos fazer da defesa da Síria um instrumento de conscientização anti-imperialista. Todo trabalhador deve saber que o imperialismo é uma ave de rapina, que é preciso livrar-se das suas garras (as mesmas que extorquem 50% do orçamento do nosso país), que não existe futuro sob o seu domínio, que a agressão a uma nação oprimida equivale a agredir todos os trabalhadores do mundo.