O companheiro Icaro Kaleb contestou
a seguinte frase do nosso documento “A Frente Única segundo a Liga Comunista”:
“Pelo visto, os espartaquistas seriam contra, por exemplo, o apoio ao MPLA
de Angola ou à Frente de Libertação Nacional da Argélia, ou a qualquer acordo
com eles na luta contra o colonialismo português e francês”. Diz que estamos “falando
besteira” e que não apresentamos “uma citação sequer para demonstrar
isso”. Parece-nos que houve
um equívoco. Não afirmamos que a Liga Espartaquista não tenha se posicionado
pela defesa de Angola e da Argélia. Nada sabemos sobre a sua posição em relação
a esses episódios.
O nosso texto combate a política de neutralidade nos conflitos entre o
imperialismo e as nações oprimidas. Questiona a suposta oposição entre a teoria
da Revolução Permanente e a tática de Frente Única Antiimperialista aprovada
pelo IV Congresso da III Internacional. Esse é um argumento usado como
justificativa teórica do neutralismo. Tomamos apenas como exemplo desse tipo de
teoria a seguinte citação feita por Ret Marut do Socialist Fight (FUA e a
Revolução Permanente II) tirada de um documento recente espartaquista: “Contra
a frente única antiimperialista nós opomos o programa trotskista da revolução
permanente...” (Workers Vanguard nº 987, 30/09/2011 – WWW.ICI-fi.org). Procuramos demonstrar que
não existia, na época, contradição entre a Frente Única (acordos episódicos com
setores da burguesia) e a Revolução Permanente (que propunha ditadura do
proletariado). Tanto é assim que Trotsky propôs na China acordos com o
Kuomintant contra o Japão e os bolcheviques fizeram uma frente única com
Kerensky contra Kornilov na revolução russa.
A nossa frase foi tirada do contexto. Quisemos apenas tirar a conclusão
lógica dessa teoria que exclui a frente única. Quem exclui por princípio a
frente única com a burguesia teria que ser logicamente contra a defesa de
Petrogrado contra Kornilov em frente única com Kerensky, que ser contra a
defesa da China contra o Japão, contra a defesa de Angola, da Argélia, de
Moçambique, etc, etc, etc. É lógico que ninguém é tão estúpido assim. O nosso
argumento procura mostrar a contradição dessa teoria. O que dissemos foi: “Pelo
visto, os espartaquistas
(de 2011) seriam contra o apoio ao MPLA ...”. Quisemos
dizer apenas que, para serem coerentes com a sua teoria, deveriam ser contra
isso. Por fim, concluímos: “Esse tipo de radicalismo dogmático que
contrapõe o objetivo final aos imediatos, a estratégia à tática, encobre a
conivência com colonialismo”.
O equívoco de Kaleb serviu para que nos esclarecesse sobre a posição da Liga
Espartaquista no episódio, a qual, pela sua citação, muito se parece com a
proposta de Frente Única Antiimperialista, embora não fique claro se
efetivamente concorda com essa tática. Infelizmente Kaleb nada nos disse sobre
a suposta incompatibilidade entre a tática de FUA e a Revolução Permanente. O
nosso documento combate todos os “neutralistas”, ou que defendem a luta em duas
frentes, que são muitos, não apenas essa fração do espartaquismo.
O neutralismo do RR e de Kaleb
O próprio RR e Kaleb têm, em certo sentido, uma posição “neutralista” com
relação à Síria, expressa no texto “O conflito sírio e as tarefas dos
revolucionários”, assinado por Leandro Torres. Esse documento faz uma excelente
análise desse conflito, mostrando a vinculação ao imperialismo de todos os
componentes da oposição “rebelde”, membros do Conselho Nacional Sírio: Exército
Livre da Síria, Irmandade Muçulmana e os Comitês Locais de Coordenação. Sob
certas condições, admite tomar a defesa da Síria: “Se os imperialistas
intervierem militarmente para apoiar o CNS/ELS, nossa atitude no conflito será
tomar o lado militar da nação oprimida, desejando a derrota (ainda que pelas
mãos do governo Assad) dos imperialistas e de seus apoiadores nativos”.
Portanto, a defesa da Síria dependeria da intervenção imperialista direta, mas
enquanto isso não acontece a política do RR é de neutralismo: “O caráter armado do conflito
não impõe a defesa de algum dos campos armados em luta, mas apenas a obrigação
de combater politicamente ambas as frações nessa disputa onde somente estão em
jogo os interesses estreitos da burguesia Síria. A tarefa atualmente posta na
Síria é a criação de um movimento da classe trabalhadora que se contraponha aos
interesses da burguesia e tome para si a defesa da democracia e do socialismo”.
Essa posição é equivocada embora contenha aspectos muito corretos que dizem
respeito à independência de classe. A defesa das nações oprimidas não significa
a suspensão da luta de classes contra todas as frações burguesas. Mas a criação
de um “movimento independente da classe trabalhadora” contra essas frações não
a desobriga da defesa de uma semi-colônia. Não é apenas a ausência de
bombardeios da OTAN que determina o caráter imperialista do conflito. Não é
verdade que exista uma guerra civil isolada, como defende Leandro Torres. A
afirmação de que “somente
estão em jogo os interesses estreitos da burguesia Síria” é profundamente equivocada. Estão em
jogo os interesses da burguesia internacional. A tomada da Síria é a ante-sala
da guerra contra o Irã e do cerco à China e à Rússia. O imperialismo exerce uma
pressão política, ideológica, econômica e militar contra o regime sírio. Não
interveio diretamente, mas o faz através dos seus prepostos os chamados “amigos
da Síria”. É notório o apoio militar aos “rebeldes” da Turquia, Katar e Arábia
Saudita. Esse equívoco leva a uma política de neutralidade ou de luta em duas
frentes que iguala os contendores e favorece o imperialismo.
Não é admissível neutralidade nas intervenções imperialistas, diretas ou
indiretas, ou a luta em duas frentes militares. Esse tipo de política existe
desde a oposição dentro do SWP americano, na década de 30, quando da polêmica
sobre a guerra e o defensismo. Na guerra da URSS contra a Finlândia, a oposição
do SWP se opunha “a ambos os governos e seus exércitos”. Também defendia “a
realização de uma insurreição simultânea contra Hitler e Stálin na Polônia
ocupada”. A isso Trotsky respondeu: essa seria a solução ideal, mas não é a
realidade. O problema é concreto: o que fazer se Hitler atacar antes, quando os
trabalhadores ainda não estiverem em condições de fazer a revolução proletária? “Não podemos deixar que Hitler
derrote Stálin; isso é tarefa nossa”. “Enquanto com as armas nas mãos
lutam contra Hitler, os bolcheviques deverão fazer propaganda revolucionária
contra Stálin ...”. Assad
derrubado tanto pela OTAN como pelo CNS é o imperialismo que triunfa. Os
trabalhadores devem posicionar-se no campo de luta contra o imperialismo e seus
prepostos, o CNS e amigos da Síria. Enquanto lutam de armas na mão contra o
bloco pró-imperialista, fazem na retaguarda propaganda revolucionária contra
Assad. Não podem permitir que o imperialismo o derrote. Isso é tarefa sua.
As tarefas para a Síria
Embora Leandro Torres diga que o CNS “não merece nenhum apoio por parte do
proletariado”, defende contraditoriamente uma política de disputa das bases
dos Comitês Locais de Coordenação: “Encaramos assim, que a tarefa colocada
pelos revolucionários na Síria é de intervir em todos os protestos de rua
pró-democracia que tenham um caráter mais à esquerda, buscando convencer a
juventude e demais elementos que se inspiram nos Comitês Locais de Coordenação
de que o CNS e seus braços auxiliares não são capazes de garantir uma
verdadeira democracia ...”. Então, deveríamos participar “em todos os
protestos de rua” convocados pelos Comitês Locais, buscando convencer suas
bases “de que o CNS e seus braços auxiliares (entre os quais os próprios
Comitês) não são capazes de garantir uma verdadeira democracia”. Essa
política ignora a realidade. Numa guerra civil, onde o fator militar é o elemento
preponderante, normalmente as mobilizações estão subordinadas aos interesses da
guerra, dificilmente podem ser independentes. Esse é o caso Sírio. Por mais
legítimo que seja o ódio do povo sírio contra Assad, todas as mobilizações
promovidas pela oposição “rebelde”, mesmo pelos setores mais à esquerda, em
nome da democracia, servem de fato, objetivamente, aos interesses do
imperialismo, porque reforçam o bloco pró-imperialista. Somente poderíamos
participar de um movimento realmente independente. É um grave erro disputar as
bases do movimento “rebelde”. Embora as melhores das intenções, isso seria
participar criticamente do campo imperialista.
O uso indevido da Revolução
Permanente
A teoria da Revolução Permanente é uma das maiores contribuições de Trotsky ao
marxismo. Já em 1905, dizia que a burguesia seria incapaz de cumprir com as
tarefas democráticas retardatárias, que somente poderiam ser cumpridas
integralmente pela ditadura do proletariado. A revolução começaria como
democrática e se transformaria organicamente em socialista. Grande parte do mal
chamado trotskismo a transformou numa espécie de evolucionismo
social-democrata: a revolução democrática seria feita por algum setor da
burguesia e se transformaria em socialista, sem necessidade de uma insurreição.
Seria como se a burguesia pudesse ceder o poder pacificamente ao proletariado.
O RR não incorre nesse desvio social-democrata, não delega qualquer papel
progressista à burguesia. Entretanto, diversas passagens do texto de Leandro
Torres deixam claro o caráter democrático da futura revolução síria: “Cabe
ao proletariado, portanto, implementar tais tarefas democráticas e
nacional-libertadoras”. Não por acaso, enfatiza “a enorme atualidade da
teoria da Revolução Permanente”, citando-a: “Para os países de
desenvolvimento burguês retardatário e, em particular para os países coloniais
e semi-coloniais, a teoria da revolução permanente significa que a solução
verdadeira e completa de suas tarefas democráticas e nacional-libertadoras só é
concebível por meio da ditadura do proletariado...”. O companheiro está
muito equivocado. A Revolução Permanente mantém sua vigência apenas com relação
ao papel do proletariado, mas está desatualizada quanto às tarefas da revolução
democrática, que perderam preponderância em relação às tarefas socialistas. Não
existe mais revolução democrática. Trotsky jamais pensou que a sua teoria seria
supra-histórica, mantendo atualidade por mais de um século.
A revolução era considerada democrática porque as suas tarefas preponderantes
eram abolir os restos do feudalismo (a monarquia e o latifúndio semi-feudais) e
realizar a independência nacional. Nos dias de hoje, não existe mais monarquia
e latifúndio semi-feudais. Mas não é assim que pensa Leandro Torres, para quem
existiriam ainda “resquícios de arcaísmo”, que somente se pode entender como
resquícios de feudalismo, porque somente isso justificaria a preponderância das
tarefas da revolução democrática, que segundo o mesmo seriam as seguintes: “a
submissão ao capital imperialista, a opressão nacional dos curdos, a opressão
aos diferentes credos religiosos e a democratização do acesso à terra”.
Atualmente, nenhuma dessas tarefas caracteriza a revolução democrática, nem são
preponderantemente democráticas. Os aspectos democráticos foram suplantados
pelos aspectos socialistas. Naquela época, a libertação nacional dizia respeito
basicamente à expulsão política e militar do imperialismo. Na atualidade, esses
aspectos permanecem, mas os monopólios passaram a dominar toda a economia
mundial. Nessas condições, não pode mais existir independência nacional baseada
apenas na expulsão do imperialismo. O elemento dominante para a independência
nacional passou a ser a expropriação dos monopólios multinacionais, que é uma
tarefa eminentemente socialista. A opressão nacional dos curdos é um
sub-produto da dominação imperialista, que fatiou a sua nação entre a Turquia,
Iraque, Irã e Síria.
O acesso à terra nada mais tem a ver com o fim do latifúndio semi-feudal, que é
hoje uma empresa capitalista. A reforma agrária não é mais a bandeira
principal, mas a expropriação do capital agrário e a socialização do campo,
porque desmembrar uma empresa agrícola é um retrocesso das forças produtivas. À
defendemos ainda porque é uma aspiração do movimento sem terra e é progressista
em relação ao latifúndio improdutivo. A opressão aos credos religiosos é um
resquício do passado mantido pelo capitalismo. O fim dessa opressão é uma
bandeira democrática, mas não caracteriza uma revolução democrática.
Ressuscitar, nos dias de hoje, a revolução democrática, isso sim, é um
resquício de “arcaísmo”.
Outro equívoco muito comum na esquerda é confundir as tarefas históricas da
revolução democrática – fim da monarquia e do latifúndio semi-feudais – com a
luta por liberdades democráticas – direitos de expressão, organização, direito
de greve. A defesa de maiores liberdades democráticas está na lógica das
reformas – assim como a luta por salário – quando não está colocada a luta pelo
poder. É uma forma de mobilizar os trabalhadores contra a burguesia nos
momentos de calmaria. Lutamos por liberdades democráticas, mas jamais por um
regime democrático burguês. A luta contra uma ditadura é uma luta pelo poder do
proletariado, não pela democracia como regime. Também não está mais na ordem do
dia a revolução democrática, mesmo sob a direção do proletariado. Defender hoje
a preponderância das tarefas da revolução democrática significa ignorar o
capitalismo monopolista e secundarizar a expropriação do grande capital.
Quisemos com estas considerações fazer uma crítica fraternal aos companheiros.
Esperamos que sejam entendidas dessa forma.
Links do Reagrupamento Revolucionário:
ResponderExcluirhttps://rr4i.milharal.org/2012/09/15/o-conflito-sirio-e-as-tarefas-dos-revolucionarios/
https://rr4i.milharal.org/2012/10/09/o-morenismo-e-a-posicao-da-cst-uit-na-siria/
https://rr4i.milharal.org/2016/01/31/guerra-civil-siria-estado-islamico-e-a-batalha-por-kobane/
Resposta a vocês:
ResponderExcluirhttps://rr4i.milharal.org/2017/06/21/2964/