A LC e a sua
corrente internacional composta também pelo Socialist Fight inglês e a TMB
argentina, defendem a frente única como um dos centros da sua política,
conforme o documento de autoria de Ret Marut, dirigente do S.F., A F.U.A. e a
Revolução Permanente II: “Este texto procura defender, esclarecer e desenvolver
a teoria da Frente Única Antiimperialista ...”. Esse tipo de política não é
nova e envolve, com diferenças, outros grupos.
A
Frente Única Antiimperialista (FUA) foi uma tática proposta pela III
Internacional nas Teses do Oriente, aprovadas pelo IV Congresso da
Internacional, em 1922. Tanto a FUA como a Frente Única operária eram propostas
de unidade, baseadas em “acordos práticos para ação de massas”, entre os
partidos comunistas e setores da burguesia nacional, no primeiro caso, e entre
os mesmos e a social-democracia, no segundo. Essa tática correspondia
exclusivamente àquela conjuntura. Na Europa, a revolução russa via-se isolada
pela derrota das revoluções européias, principalmente, a alemã. Abria-se um
período de lutas defensivas e pela conquista da hegemonia sobre o proletariado.
A social-democracia preferia aliar-se à burguesia. O proletariado aspirava à
sua unidade, sabotada pela social democracia. A frente única servia, portanto
para o seu desmascaramento.
No
oriente, havia um forte movimento anti-colonial dirigido por algum setor da
burguesia nacional. Começava um longo período de luta anti-colonial e um
enfraquecimento do domínio imperialista em favor de um capitalismo autônomo,
conseqüência da guerra mundial, acompanhado de um acirramento da rivalidade
inter-imperialista. Isso permitia aos partidos comunistas a disputa pela
direção do movimento nacionalista. Essas condições não existem mais: não existe
partido revolucionário; o colonialismo cedeu espaço ao semi-colonialismo; as
burguesias nacionais estão completamente atreladas ao imperialismo; o moderno
capitalismo penetrou em todos os estados, destruindo os restos do feudalismo; não existe mais revolução democrática. A luta
anti-imperialista continua, mas depende principalmente da expropriação dos
monopólios, ou seja, da revolução socialista. A tática de FUA perdeu
atualidade.
A
ofensiva imperialista pelo domínio do mundo tem levado à ocupação de
determinados países: Afeganistão, Iraque, Líbia, Palestina, ofensiva contra a
Síria, visando o Irã e a China. Essas ocupações logo são disfarçadas por
governos títeres “democráticos”. As direções, crias do próprio imperialismo,
são forçadas a lutar contra ele, fato que não as transforma em antiimperialistas.
Combatemos essas ocupações de forma incondicional, apesar das suas direções.
Não precisamos embelezá-las como faz a LBI. A LC vai no mesmo caminho ao
considerar Al Qaeda “antiimperialista reacionária”. Foi criada pelos Estados
Unidos. O enfrentou no Afeganistão e a França, no Mali, mas aliou-se ao
imperialismo na Líbia e na Síria. Vergonhosamente grande parte da esquerda coloca-se
ao lado do imperialismo contra essas semi-colônias. Mas essa defesa das nações
oprimidas não é a mesma coisa que Frente Única Antiimperialista.
O estalinismo impôs a sua política
oportunista de frente única por muito tempo. A revolução dividia-se em duas
etapas. A primeira etapa seria a revolução democrática dirigida pela burguesia
nacional “progressista”. Ao contrário,
para a FUA a burguesia tendia a capitular ao imperialismo, nada tendo de progressista.
Era uma luta pela direção do movimento contra a burguesia. A vitória da
revolução democrática exigia a direção do proletariado na luta nacional.
A FUA
“trotskista”
A
Frente Única Antiimperialista (FUA) não fez parte do programa da IV Internacional,
não porque invalidasse as Teses do Oriente. Não é verdade que a defenda, apenas
sem utilizar a denominação, como afirma o Socialist Fight. Não, a IV
Internacional não se valeu dessa tática porque não existiam mais as condições
da década de 20, principalmente, um partido revolucionário. A FUA é um “acordo
prático” entre organizações de massa. Carece de sentido a sua defesa por
pequenas organizações. Nunca foi uma tática universal, como defendiam Lambert,
Lora e agora a Liga Comunista. Pierre Lambert ressuscitou a FUA como tática
política, fora de contexto. Na Bolívia, Guilhermo Lora aderiu à FUA
lambertista, que passou a fazer parte da sua política permanente. Essa FUA
lorista nada tinha a ver com as Teses do Oriente, mas a uma versão “trotskista”
de frente popular. Pressupunha a existência de uma ala progressista da burguesia.
Com essa política, o POR traiu a revolução boliviana de 1952 e o movimento de
1970.
Uma
característica comum a todo tipo de oportunismo e sectarismo é ignorar a
realidade: “O pensamento marxista é concreto, quer dizer, considera todos os
fatores decisivos ou importantes em torno a uma questão determinada, não
somente em suas relações recíprocas, senão também em seu desenvolvimento. Não
dissolve a situação do momento presente na perspectiva geral, faz possível a
análise da situação presente com toda a sua particularidade. A política começa
precisamente com essa análise concreta. O pensamento oportunista, assim como o
pensamento sectário, tem em comum o fato de extrair, da complexidade das
circunstâncias e das forças, um ou dois fatores que lhes parecem ser os mais
importantes – e que, de fato, às vezes o são – e lhes atribuem uma força sem
limites nem restrições” (Trotsky - Os ultra-esquerdistas em geral e os
incuráveis em particular). A FUA “trotskista” hoje está completamente fora da
realidade.
Ret
Matut e a Liga Comunista não se dão ao trabalho de analisar a conjuntura atual
comparativamente com a da época. O que era uma tática circunstancial virou uma
política universal, embora diga ser errado “apontar a FU como uma tática
absoluta que serve para todas as circunstâncias”. Mas contraditoriamente também
afirma: “A Frente Única e a FUA são táticas que se aplicam em todos os momentos
...”. Por isso, é incoerente a crítica da LC a Lora por “deformar a tática da
FUA a ponto de convertê-la em estratégia”, pois é exatamente isso que também
faz. Transforma a Frente Única em remédio eficaz para todas as doenças na
Líbia, Síria, Mali, Venezuela, Brasil, etc, etc.
Identificaram a FUA com qualquer defesa das
nações oprimidas. A FUA é um acordo prático entre organizações no bojo de um
movimento de libertação nacional. A defesa das nações oprimidas é uma obrigação
de qualquer organização. As pequenas organizações não fazem acordos com
governos nacionais. Apoiamos a Síria, mas não é possível frente única com Assad.
O apoio é unilateral e incondicional. O proletariado apóia as nações oprimidas
com os seus próprios métodos: manifestações, agitação, propaganda, denúncias,
greves, boicotes, etc. É isso que está ao alcance de pequenas organizações e não
a abstrata frente única. A participação militar é uma possibilidade no caso de
haver um partido revolucionário. Esse
tipo de revolucionarismo abstrato em nada ajuda as nações oprimidas e nada tem
a ver com a tática de FUA.
Mais
abstrato ainda é propor frente única onde não há enfrentamento direto com o
imperialismo ou com quem realizá-la, como propõe a LC para a Venezuela. Com
quem a Liga pretende fazer frente única na Venezuela se admite que o chavismo
capitula ao imperialismo? Essa seria, quem sabe, “a unidade dos operários e
camponeses a nível continental”? Sim, essa unidade é fundamental, mas nada tem
a ver com a tática de frente única. Esse uso amplo e abstrato de FUA não é
inconseqüente. Leva necessariamente à busca de setores implicitamente
“progressistas” com quem realizar tal frente. Não afirmamos que a Liga defenda
a existências de setores burgueses progressistas. Mas essa é a lógica final da
sua política. Não por acaso, considera a Al Qaeda antiimperialista. Segue o
mesmo caminho da LBI que precisa embelezar aqueles com quem defende a frente
única.
Ret Marut define a FUA como baseada em
acordos práticos, mas também insinua o contrário. Afirma sobre se “basta
chegarmos a um acordo de atirarmos na mesma direção que o exército nacional da
Líbia para que possamos ser reconhecidos por estar do lado certo. Eu temo que
não seja só isso, camaradas. É necessário formar uma FUA para defender o Estado
contra os ataques imperialistas”. Mas que FUA será essa para a qual não basta
fazer um acordo prático? Se não se trata disso, trata-se então de um acordo
programático? Esse tipo de ambigüidade é inadmissível.
Noutro
momento Marut afirma: “Nós temos o dever de formar alianças antiimperialistas
em nossos próprios países com aqueles que buscam a derrota da sua própria
burguesia, mesmo com as forças estalinistas e pequeno-burguesas que defendem os
regimes terceiro-mundistas da Líbia e Síria ...”. Vemos, agora, que se tratam
de “alianças”, o que não se admite. Não conhecemos qualquer grupo estalinista
que defenda a “derrota da sua própria burguesia”.
O texto de Ret Marut tem o mérito de
colocar-se ao lado das nações oprimidas, embora abstratamente. Está também
correto na crítica que faz aqueles que defendem a neutralidade. Não existe
neutralidade possível na ocupação das semi-colônias pelo imperialismo. A
política de neutralidade esconde a capitulação ao mesmo.
A FUA e a Revolução Permanente
Ret
Marut cita um texto espartaquista: “Contra a frente única antiimperialista nós
opomos o programa trotskista da revolução permanente, que afirma que nos países
neo-coloniais o proletariado deve levar todas as massas oprimidas na luta pela
revolução socialista contra a sua própria burguesia, como parte de uma
estratégia internacionalista para a revolução proletária nos países
imperialistas”. Esta frase tem dois erros crassos. A Revolução Permanente não
defende a revolução socialista, mas a revolução democrática em primeiro lugar,
e não se opõe a tática de Frente Única Antiimperialista. Tanto Lênin quanto
Trotsky entendiam que a revolução deveria ser feita pelo proletariado aliado
aos camponeses pobres, contra a burguesia liberal. No entanto, isso não excluía
a possibilidade que a história pudesse reservar um papel, embora mesquinho,
para a burguesia na revolução e principalmente na luta de libertação nacional.
Foi isso que aconteceu por exemplo na Revolução de Fevereiro na Rússia. Lênin
reconhece que em Fevereiro “marchamos todos juntos” contra o Tzarismo. A
primeira revolução chinesa foi dirigida pela burguesia através do kuomintang.
Trotsky considera que a Revolução de Fevereiro e a chinesa foram “miseráveis
abortos”, o máximo que a burguesia poderia dar em termos democráticos. Lênin
caracteriza a Revolução de Fevereiro como uma revolução democrática, embora a
verdadeira revolução democrática tenha sido a de outubro.
Era perfeitamente possível em determinadas
circunstâncias acordos práticos com a burguesia tanto na revolução democrática
quanto na luta nacional. Quando o general
Kornilov ameaçou Petrogrado ouve um acordo prático entre os bolcheviques e o
governo Kerensky. Quando Hitler invadiu a URSS, esta aceitou o apoio militar da
Inglaterra. Nos países do oriente havia
um movimento de libertação dirigido por frações da burguesia contra o jugo
colonial. Os partidos comunistas deviam disputar com essa burguesia a direção
do movimento anti-colonial. Mas, antes de derrotá-la, era possível algum tipo
de acordo prático com ela contra o inimigo comum, o colonizador. A China estava
em parte dominada pelo Japão. Na luta comum contra o Japão era possível algum
tipo de acordo prático com o Kuomintang, antes de derrubá-lo do poder. Pelo
visto, os espartaquistas seriam contra por exemplo o apoio ao MPLA de Angola ou
à Frente de Libertação Nacional da Argélia, ou a qualquer acordo com eles na
luta contra o colonialismo português e francês. A FUA não se opunha à Revolução
Permanente, ou seja, à tomada do poder pelo proletariado. A manobra tática
entre inimigos é inevitável. A razão pela qual algumas organizações opõem a FUA
à revolução proletária, talvez seja porque muitos grupos chamem impropriamente de
FUA a defesa atual das nações oprimidas pelo imperialismo. O que estão se opondo
de fato é à defesa das semi-colônias. Não por acaso são os mesmos defensores da
neutralidade. Esse tipo de radicalismo dogmático que contrapõe o objetivo final
aos imediatos, a estratégia à tática, encobre a conivência com o colonialismo.
Entretanto,
os espartaquistas têm razão quando afirmam: “A Frente Única Antiimperialista na
prática é a frente popular” (citação de Ret Marut). A prática atual chamada
impropriamente de FUA nada tem a ver com a FUA original. Foi uma versão de
frente popular o que defendeu Lora na Bolívia. Em geral, a defesa da FUA hoje é
feita na forma de frente popular. Infelizmente Ret Marut e a Liga Comunista não
denunciam esse caráter frente populista desse tipo de defesa da FUA. A única
crítica é que Lora transformou a FUA em estratégia. É como se qualquer defesa
de FUA fosse em si positiva. Transformaram a FUA em religião e fazem vistas
grossas à conciliação de classes em seu nome.
A Frente Única Operária
A Liga Comunista faz da frente única uma
panacéia independente das lutas. O marxismo a considera apenas um método que,
em geral, as favorece e favorece a construção do partido revolucionário. A LC afirma:
“A unidade sindical é um princípio dentro dos sindicatos, defendemos um único
sindicato por ramo de produção”. Sim, defendemos um único sindicato por ramo de
produção, mas a unidade dos sindicatos não é um princípio. Em geral, é uma
vantagem. O oportunismo não se preocupa em analisar as situações concretas.
Prefere estabelecer regras. Trotsky defendeu a unidade sindical, mas não como
princípio: “não preterimos nada que signifique luta para quando se conseguir a
unidade”. Esta não é um bem em si mesmo, é uma função das lutas. Fora destas
para nada serve.
A
LC reconhece que “a unidade não é um princípio dentro das centrais sindicais”,
mas contraditoriamente defende a unidade das centrais como princípio: “A
divisão, como ocorre no Brasil – e a Conlutas é um exemplo disso – das centrais
sindicais por hegemonia partidária (. . .) é um obstáculo imposto pelas aristocracias
sindicais contra a unidade dos trabalhadores”. Diz ainda que: “ . . . esta
divisão burocrática e superestrutural entre as centrais sindicais é um crime
contra as lutas da classe trabalhadora e defendemos a unidade de todos os
sindicatos em uma única central . . . “. Essa defesa da unidade das centrais em
nenhum momento leva em conta e seu papel na luta de classes. Defende a unidade
pela unidade, como se a mesma fosse um bem em si mesmo. Para que a divisão das
centrais seja considerada um crime seria necessário que pelas mesmas passasse
alguma luta. Mas isso não é verdade. As campanhas nacionais da CUT são sempre
em defesa do capital mascaradas por alguma reivindicação dos trabalhadores.
Desempenhou um papel policial nas greves das obras do PAC.
Pelos
sindicatos da CUT ainda passam as campanhas salariais. Devemos participar dos
mesmos, uma forma de participar também da CUT. Mas, não tem sentido participar
“de todos os congressos das centrais que agrupam os sindicatos onde os nossos
militantes forem filiados”. Isso significa alimentar ilusão na conquista do
aparelho central da CUT pela via da democracia sindical. Esses aparatos
provavelmente somente possam ser conquistados por via revolucionária. A LC diz:
“defendemos a unidade de todos os sindicatos em uma única central”. Isso é
correto como uma perspectiva futura. Mas como proposta imediata significa a
unificação das atuais centrais tais como são, o que é um absurdo.
A
LC defende a participação “em todos os sindicatos e centrais reacionárias,
pró-imperialistas e fascistas”, baseada no princípio leninista de “estar onde
as massas estão”. Esqueceu de um detalhe, a condição de que por esses sindicatos
passem alguma luta, porque somente estas lhes conferem o caráter de sindicato.
Não havendo lutas, já não se tratam de sindicatos, mas de organizações
patronais.
Essa
defesa da “unidade como fórmula vazia”, leva a LC a defender e apoiar todas as
anti-lutas patrocinadas pelos sindicatos, federações e centrais. Exemplo disso
é o seu apoio às greves da CNTE, declaradamente em defesa do Plano Nacional de
Educação (PNE), expressão da política do Banco Mundial para a educação. Em vez
de denunciar essa anti-greve, a apóia dizendo que “necessitamos de uma greve
nacional de verdade”, como se fosse possível disputar o seu caráter. Nem sequer
denuncia o seu eixo de defesa do PNE, para poder apoiá-la. No RS as greves da
CNTE tem tido uma adesão quase unânime devido ao apoio velado do governo, ao
qual se soma a LC e o conjunto da esquerda.
Outro
exemplo de unidade a qualquer preço é a manifestação de 20 de novembro/12 na
Argentina, ou 20N. O panfleto da TMB (irmã da LC) critica os grupos de esquerda
(PO,PTS, IS, CS) por participar ou se negar a boicotar a manifestação de
direita contra o governo Kirchner de 8 de novembro ou 8N. Mas foi favorável à
participação no 20N. A diferença é que dessa vez tratou-se de um ato convocado
pelas centrais burocráticas, CGT e CTA. Mas o 20N também teve o apoio e a
participação ativa da ultra-direita, a Sociedade Agrária, que fez os chamados
“cortes de ruta”. O 20N, mesmo convocado pelas centrais sindicais, esteve
claramente, da mesma forma que o 8N, a serviço da direita. Essa participação da
reação no 20N foi escamoteada pela esquerda, inclusive a TMB, para poder apoiá-lo
sem aparente contradição. No 8N a participação da direita era muito evidente.
Mas bastou mascarar um pouquinho “a cena do crime”, através da convocação das
centrais sindicais, para que se realizasse a confraternização entre a reação, a
burocracia sindical e a esquerda “trotskista”. Essa é a conseqüência concreta
do fetichismo da unidade sindical.